Na tua vida connosco temos tido muitos momentos felizes. De todos, destaco o dia em que te trouxemos para casa bebé e o de ontem, quando te trouxemos para casa ao fim de 3 noites internado.
Se no primeiro dia vim só feliz, feliz, ontem senti o mesmo de quando eu e o F tivemos alta da maternidade: feliz e cheia de medo de que não corresse bem, de que não fôssemos bem sucedidos sem os médicos e enfermeiros, que tivéssemos de voltar.
Uma gastroenterite. Tu, que sempre foste dado a diarreias - não fosses um provador nato de tudo quanto são porcarias que encontras na rua - foste-te abaixo em dois dias e de repente também havia muito sangue, vómitos e uma anorexia. Se os dois primeiros foram corrigidos ainda no internamento, a anorexia não deu tréguas. “Coitadolândia”, consideraram os veterinários sobre o teu estado anímico. Vieste para casa, ontem, à prova: viemos testar se em casa o teu apetite voltava, se o amor da família te devolvia o ânimo.
Cantámos vitória quando acedeste a comer três pequenos pedaços de frango desfiado, mal sabendo nós que seriam os únicos que irias aceitar. Estamos a tornar-nos prós em enfiar-te goela abaixo a medicação que tens de fazer. O arroz de frango, cheio de caldo, continua intocado. Pela primeira vez na tua vida servimos-te patê (ainda que gastrointestinal) que, ainda assim, só aceitas comer servido pedacinho a pedacinho diretamente da minha mão. Doença ou mimo?
Olhar para ti estes dias deu um bocadinho cabo de mim. Foi como se envelhecesses 10 anos em um dia ou dois. O medo de que cada abraço fosse o último e os sintomas com que lidámos reativaram em mim memórias do passado. Não estava pronta para te perder. Não estou e nunca estarei. Comentei esta semana que só conseguia pensar que tu ias morrer (agora) e ouvi um “e vai morrer, um dia vai morrer” - e eu não sei como vou conseguir lidar com isso algum dia mas, percebi, acima de tudo não sei como vou lidar com a deterioração do teu corpo, das tuas capacidades, do teu ânimo. Fui valente há muitos anos atrás - a que custo? - mas não quero ser mais. Talvez eu já não seja a Joana dos 18.
Quando fores, quando tiver mesmo de ser, que possas ir inteiro, com o teu ar feliz, rodeado de amor e da tua família.
Agora ando por aqui, a rondar-te com ansiedade. Levantei-me de noite, pensando ter ouvido algum barulho. Ajudei-te a levantar - para onde foi a força dessas patas, Alf? - e a trocar de sítio, de posição. Deite-te água, sempre com receio de que seja de menos, de que seja demais.
Anorexia, por solidariedade, decidiu o meu corpo. Náuseas também.
Quero dar-te tudo para que não tenhas de voltar e, ao mesmo tempo, tenho de respeitar o tempo, não ter pressa, aceitar que não posso controlar. Seria fácil, não fosse eu este poço de ansiedade e de necessidade de controlo.
O meu presente de Natal chegou mais cedo. O Alf está em casa.