sábado, 14 de outubro de 2017

14 de outubro de 2017

Quando decidi que o queria foi preciso negociar, fazer compromissos. Ouvi-a dizer
- Queres tudo ao mesmo tempo!
Mas não hesitei. E consegui convencer quem era preciso.
Era pequenino e agora é enorme. Pesava 5 Kg, agora pesa 30.
Durante o primeiro mês não pôde ir à rua e havia constantemente três resguardos em casa que era preciso trocar - com sorte. Aprendeu depressa. Hoje rimo-nos quando pensamos nas noites em que acordávamos e sabíamos que havia um presente algures. Perdemos a conta ao número de vezes em que trocámos de esfregona.
Quando veio cá para casa, as obras tinham terminado há pouco mais de um mês. Passados dois meses, percebemos que já conseguia abrir todas as portas. Desde aí, são fechadas à chave. O caixote do lixo também.
Treinámos durante dois meses numa escola, esteve na boca de um bull terrier pelo menos uns cinco minutos e escapou quase ileso, embora por pouco não me matasse do coração.
Os meus braços e pernas andaram negros durante alguns meses, com dentadas que não paravam. E era só comigo que fazia isso, uma e outra vez, repetidamente, sem pré aviso.
Foi a uma consulta de comportamento - uma espécie de psicoterapeuta para cães - e teve uma PT. Sim, ele teve uma PT e isso mudou a nossa vida - desde a primeira semana. Mas quando os meus braços e pernas deixaram de ser mordidos destruiu o sofá, roeu uma ficha elétrica, destruiu uns carrera novos em folha e a nossa casa encheu-se de pimenta por todos os cantos suscetíveis de serem destruídos.
Na rua fazia birras no chão sempre que o contrariávamos. Não era grave com 10 Kg, com 30 já era um pesadelo.
Enchi-o de brinquedos que o mantivessem ocupado, que o estimulassem. Alimentei-o com a melhor ração e reduzi a dose quando ficou gordo. Corri para o veterinário e fui das primeiras utilizadoras da Saúde Animal.
Descobriu o amor muito cedo e apaixonou-se tantas vezes e com tanta intensidade que foi preciso cortar a questão pela raiz.
Em treze meses só dormiu fora duas noites.
Acorda às 6h10 todos os dias - ou antes - não importa se é dia útil ou não. E mia, todas as manhãs.
Enquanto crescia, nestes treze meses que já passaram, ocupou-me os dias. Encheu-me de preocupações. Enchi-o de mimos. Crescemos juntos.
Somos uma família. 

sábado, 30 de setembro de 2017

30 de setembro de 2017

Porque há, inevitavelmente, um antes e um depois de algumas conversas. Algumas conversas, mesmo que curtas, podem mudar o rumo de uma vida. Como se se abrissem muitas gavetas de uma vez só e tudo começasse a voar em meu redor. Um turbilhão de coisas a voar em meu redor. E à medida que vão descendo no ar, pousando devagarinho no chão, os meus olhos pousassem numa nova realidade. Algumas conversas, têm esse poder.
Passamos a olhar com outros olhos, a ouvir com outros ouvidos. A sentir com outro coração - ou o mesmo coração, a sentir de uma outra forma.
Há um antes e um depois de algumas conversas. Quando nos olhamos e nos ouvimos e não nos reconhecemos mais. Quando olhamos à nossa volta e nos sentimos perdidos - quando, antes dessa conversa, nesse mesmo sítio, nos sentíamos em casa.
Conversa puxa conversa - como as cerejas, numa versão amarga. Conversa puxa conversa, conceção puxa conceção, ponto de vista puxa ponto de vista e, num instante, não nos reconhecemos mais. Onde  é que se pára? Quando é que se pára? Quando se pede silêncio?
E não há mais silêncio, mesmo quando nos calamos. Aqui dentro não há silêncio. Há gritos de diferentes vozes, há diferentes tons. E há lágrimas. E dor. E tristeza.
Algumas conversas podem mudar o rumo de uma vida. É preciso descobrir de que forma.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

28 de junho de 2017

Refugio-me aqui em dias como este. Arrumo-me aqui num cantinho que conheço, que me conhece já, enquanto as pessoas vão passando, falando, ficando.
Refugio-me aqui quando a ansiedade me apanha, quando me sei já a contar dias no calendário. Refugio-me aqui e observo as pessoas que já me conhecem pelo nome e pela bebida de sempre. E recordo as outras que comigo se sentaram aqui antes. Recordo-as e sei-me sensível, sei-me frágil.
Fujo dela todo o mês. Mas em dias como este, em que a ansiedade me apanha, refugio-me aqui e tento deixá-la. Em dias como este, em que me sei atenta. Em que me observo com mais atenção no espelho de todas as perspectivas. Em que procuro perceber se o meu olfato está mais apurado, mais sensível; se me dói ou não a cabeça; se quando cruzo os braços ainda me dói ou não o peito. Estou atenta. Estou atenta e ansiosa. 
E em dias como este refugio-me aqui e tento que ela passe por mim sem ficar.
Porque estes são os dias que me custam, os dias da contagem, os dias de sentidos alerta e nervos à flor da pele. Os dias em que ela me apanha.

domingo, 23 de abril de 2017

23 de abril de 2017

Como se fosse assim tão fácil. E não é. Ou não o é para todas.
Nem sempre se escolhe. Nem sempre se escolhe e às vezes acontece, outras não. E às vezes escolhe-se e nada. Nada. Mês após mês, nada. E como ninguém fala sobre o nada, como ninguém fala sobre quando nada acontece, julgamo-nos sozinhas nisto. Julgamos ser as únicas ansiosas naquela altura do mês, julgamos ser as únicas a conter o entusiasmo perante um dia de atraso e, depois, quando afinal nada, julgamos ser as únicas dececionadas, angustiadas, ansiosas. E não somos.
Não somos e importa falar sobre isto. Importa falar sobre isto para que mais ninguém se sinta uma ilha, para que mais ninguém se sinta um fracasso isolado. Sim, é isso que se sente. Sentimos que o nosso corpo - o nosso, não o de outra pessoa - falhou, não responde e questionamo-nos onde, em que momento, teremos cometido um erro. Sentimo-nos contranatura. O nosso corpo devia responder, não devia falhar. Sentimo-nos contranatura porque, às vezes ainda nem nos 30, o nosso corpo não responde. E mês após mês NADA. E ficamos ansiosas, cada vez mais ansiosas. E ouvimos, uma e outra vez
- Tens de ter calma
- A ansiedade não ajuda nada
E queremos gritar que se coloquem no nosso lugar e que vejam depois se é possível ter calma perante a falha constante, perante mês após mês de nada. E não, não é possível.
Mas algures no tempo disto se fez tabu e ninguém fala, ninguém diz, ninguém conta, ninguém partilha. Ninguém partilha que às vezes, mesmo sendo contranatura, se chega aos 30 como se se chegasse aos 50. E sim, lamentavelmente isso acontece. Às vezes, ainda que poucas, ainda que espero que sejam poucas, há quem chegue aos 30 já como se fosse aos 50. E a culpa não é de ninguém. Não é preciso ter vergonha, não é preciso esconder. Não devia ser preciso porque nessa altura o nada ocupa já tanto espaço que não devia ser preciso escondê-lo.
E quando se chega aos 30, não chegando já o que se sente, não chegando já sentirmo-nos ilhas isoladas e sentirmo-nos culpadas, não chegando já a vergonha, temos ainda de responder à pergunta dos que aguardam por notícias e dizer, como quem não quer a coisa
- Ainda nada
ou então, quando não queremos que a repitam no mês seguinte podemos sempre dizer
- Decidimos adiar
como se falássemos de uma viagem ou de algo com pouco importância. 
Não podemos dizer que estamos mal dispostas porque vamos de certeza ouvir uma piada, não podemos dizer que temos sono porque a piada será igual, mais ainda se nos apetecer comer algo doce ou salgado. E nada disso tem piada.
Não queremos falar sobre isto com qualquer pessoa porque somos nós, é o nosso corpo, que não está a responder. Por isso o melhor é, já que disto se fez tabu, que também da pergunta se faça, e a menos que vejam barrigas a crescer, guardem a pergunta - e as piadas - para vocês. Porque isto dói, e dói muito e, como nos sentimos isoladas, como nos sentimos sozinhas, temos vergonha da resposta. Respeitem isso.
E saibam que não somos ilhas. Antes fôssemos.

(e partilhem, se acharem que há tabu a mais - ou a menos)