quinta-feira, 30 de maio de 2013

30 de maio de 2013

Nas alturas em que cerras os lábios para não deixares sair nomes feios aos que te querem bem questionas-te porque nada mais parece sair. Perguntas-te, ainda que a medo, porque te é tão difícil dizeres em voz alta tudo o que trazes em ti. Cerras os lábios repetidamente e em situações diversas.
Procuras encerrar em ti muito do que trazes, parte do que és feita. Receias as reações, temes a crítica. E procuras conhecer o porquê. O porquê do medo, do receio, da vergonha. Da falta de segurança, da dúvida sobre a validade do que pensas, queres e és.
E assim, sentada nesta cadeira onde o sol te aquece as pernas, uma pergunta acende a luz da sala escura. De repente consegues ver.Ver e ouvir. Situações diversas em que a tua opinião foi criticada, olhada e comentada como absurda, momentos em que o que tu desejavas foi totalmente ignorado, subtraído todo o seu valor. E a coexistência em que, finalmente, deixaste de existir. Porque quando se anula o que pensam, desejam e sentem as pessoas simplesmente não existem mais. São corpos. Corpos vazios à disposição - ainda que sem ela.
Hoje reaprendes a querer, a sentir, a dizer. Mais do que isso: hoje aprendes a afirmar com certeza - a certeza de que o teu direito a fazê-lo é igual ao dos outros. É válido. És igualmente válida.
Por isso solta os lábios - ainda que devagarinho - e diz sem receio o que vens guardando só para ti.

domingo, 26 de maio de 2013

26 de maio de 2013

Este é o momento em que ainda te podem pedir que fiques. Na verdade, este é o momento em que, para ficares, tu precisarias que to pedissem.
O coração volta, a pouco e pouco, a bater-te mais depressa no peito mas, de cada vez que o seu batimento acelera, os teus olhos têm de parar. Têm  de permanecer abertos. Sabes que quando deixares que a pálpebra superior oscile, quando te permitires pestanejar, as lágrimas vão escorregar-te devagarinho pelo rosto e o teu lábio inferior, escapando-se à habitual mordida, ficará ali a oscilar, tremendo ligeiramente. Tentarás explicar(-te) o porquê dos olhos molhados mas, à medida que o fizeres, um peso maior crescer-te-á no peito.
Cerras os punhos com força e, de olhos fechados, revês as imagens que deverias deixar ir. A dor no peito a lembrar-te que o sangue, para correr mais depressa arrastando tudo à sua passagem, obriga o coração a um esforço suplementar. E que isso dói. E, no entanto, o coração a bater-te mais depressa no peito diz-te que estás quase pronta - e tu queres dizê-lo também. Queres dizê-lo para que te digam que fiques. Queres dizê-lo para que te peçam que atires a vida ao ar para a apanhares lá mais à frente, lá mais longe, lá onde tiver que ser.
O que não (te) consegues explicar é o porquê de quereres ficar, é o porquê de cerrares os punhos em vez de os abrires bem abertos e os agitares no ar - assim, exatamente assim como fizeram contigo.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

13 de maio de 2013

Sentada na mesa ao meu lado, de olhos fechados e com o rosto iluminado pelo sol, ela parece conter a respiração.
Pousou há pouco tempo o caderno preto de linhas finas e a lapiseira amarela sobre as pernas cruzadas à chinês e, quando o fez, fê-lo com um expirar exagerado, um sinal de missão cumprida. Depois abriu a mala brilhante - aquela, que condiz com os sapatos - puxou devagarinho o fio dos phones, ligou-o ao telemóvel, colocou-os com cuidado nos ouvidos, cruzou as pernas daquela forma contorcida e fechou os olhos.
Olhando-a assim, com as palmas das mãos voltadas para o sol, pergunto-me se medita ou se, de olhos fechados, contará devagarinho até 10 - ou outro, maior - procurando acalmar-se ou ganhar coragem para qualquer outro (talvez grande) feito.
Há algo na forma como se esconde aqui, dia após dia, ocupando sozinha uma mesa com várias cadeiras, escapando-se aos olhares diretos, que me faz observá-la com uma atenção redobrada. Procuro pequenos detalhes que denunciem do que é feita, o (por)que tanto escreve naquele caderno, com aquela lapiseira, porque se esconde em si mesma. Que voltas terá dado à vida - ou se terão sido as partidas que esta lhe pregou - a fazê-la assim.
À medida que o sol vai descendo sobre a cidade, completando a sua travessia de um lado ao outro, deixo-me ficar aqui, agitando suavemente o copo de pé alto que seguro na mão direita e espero, como de tantas outras vezes, que volte a pegar no seu caderno e que, depois de o olhar atentamente, arranque pela raiz as páginas escrevinhadas, amarrotando-as e colocando-as em cima da mesa. Mas talvez hoje, como das últimas vezes, as páginas se mantenham intactas, como se tudo o que escreve sejam certezas convictas de que não se quer desfazer.
E depois, depois de tanto a observar, sou eu que cedo, levantando-me e deixando-a, também eu, sozinha naquela mesa em que sempre se senta.

sábado, 11 de maio de 2013

11 de maio de 2013

A dor de cabeça que tens mais não é do que a outra, que trazes no peito, a partir-se em bocadinhos e a minar-te todas as partes desse corpo pequeno. 
É uma tensão enorme, um latejar na fonte direita, uma dor intermitente alimentada pelo bater do coração. Talvez se ele parar, talvez se ele for capaz de abrandar, a dor se torne suportável. Talvez se aliviares a pressão excessiva que existe aí dentro, talvez se parares de resistir e a deixares sair-te pelas mãos e pelos pés, pelos olhos, pela boca, talvez esse peso que trazes em ti se vá também. Talvez seja disso que precises. Esmurrar e pontapear aquilo em que em tempos acreditaste. Gritar bem alto, com um brilho frio no olhar,  que te queres desfazer de tudo isso e rasgar em pedaços pequenos as imagens de sorrisos falsos. Chorar, de maxilares cerrados, os erros cometidos - assim, uns atrás dos outros, assim, afinal tão iguais uns aos outros.
Talvez queiras puxar para fora as gavetas que julgaste arrumadas e atirar ao ar, ou atirar janela fora, cada um dos elementos que em tempos te pareceram arrumados. Ou a gaveta inteira.
Atira a gaveta inteira. Atira.
Quando atirares a gaveta inteira, quando a arrancares de ti, o sangue vai pulsar-te mais devagar pelo corpo, as fontes vão parar de latejar e essa dor de cabeça - ou essa dor pelo corpo todo - vai desligar-se imediatamente.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

8 de maio de 2013

Ela não te diz, nunca te dirá. Mas a verdade é que à noite, quando abre a cama e se enfia lá dentro puxando bem para cima o edredão e certificando-se que o relógio pousado lá mais ao fundo não perturbará o seu sono, coloca-se de lado, bem na beirinha da cama, ajeita a almofada e fecha os olhos. E depois, devagarinho, o seu braço estica-se para o espaço vazio a seu lado e a sua mão vai subindo e descendo, afagando o lençol, e os seus pés, na continuidade das pernas enviesadas na cama, vão-se esfregando um no outro como se nos teus. Os olhos permanecem fechados e ela vai-se fechando também, encerrando mais fundo o que traz em si. Sabe que é assim que deve ser, que é o esperado. 
Agarra a almofada com força, vira-se e revira-se e assim te expulsa, te arranca do espaço vazio a seu lado. Quer que seja para sempre mas já o esperou demasiadas vezes - e todos os dias, ao poisar a cabeça na almofada, vê frustradas as suas expectativas.
Mas isto, o que traz em si, ela nunca te dirá. Não o diz a si própria. Sabe que é assim que deve ser, que é o silêncio que esperas dela.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

28 de abril de 2013

A sensação é sempre a mesma: em qualquer lugar a que vás tudo te parece bem, tudo te parece melhor. É o ar das pessoas, a forma como se movimentam pela cidade, como se deixam ficar sobre a relva dos parques e como o frio parece não lhes chegar. Alimentas-te de uma adrenalina que cresce a cada passada e queres ver mais, absorver mais, conhecer mais.
Consultas os mapas coloridos na parede - ou o outro, que transportas no bolso do casaco - e deixas que o teu dedo passeie pelas linhas. Fascina-te o facto de todos os caminhos irem dar a qualquer lado e a organização no movimento - parar à direita, circular à esquerda - e em tudo o resto - atuar no espaço limitado, registar o valor da gorjeta, ver espetáculos que têm início mesmo à hora marcada. 
Admiras a capacidade de valorizar o património, a forma como conseguem que puxes da carteira e pagues um bilhete para ver coisas que no sítio de onde vens não te custam nada - e que ainda assim tu (e milhares de pessoas) as vejas com gosto e com vontade de repetir.
Circulas pelos corredores cheios de comida e os teus olhos brilham com tamanha variedade. Queres comer todos os iogurtes, beber todos os sumos e experimentar todas as refeições preparadas (ou quase) que se alinham em teu redor. Abres as portas só para veres os rótulos, só para te certificares que o "V" em tantas embalagens está realmente correto. Maravilhas-te com lojas que têm como nome o preço de todos os artigos e queres ter mais do que uma mala para os poderes levar contigo.
As ruas, apinhadas de gente a qualquer hora do dia, são mantidas limpas por rostos que não se veem e em cada esquina há indicações para que não te percas. E então deambulas: circulas (querendo fazê-lo) como um local, seguindo apressada quando toda a gente o faz e parando onde todos param, virando copos e largando sorrisos soltos que te vêm de dentro. Avanças por avançar, avanças para depois voltares só pelo gosto de caminhares aqui, de veres tudo o que te rodeia e tudo o que se mexe. Avanças só para te cruzares novamente com o verde, ainda que isso signifique atravessares-te no caminho de corredores de fim do dia, só para te poderes agachar e ver os roedores de rabo grande a atravessar a vedação e a virem comer da tua mão - sim, da tua mão!
Admiras-te como as palavras te saem da boca e pela forma como rapidamente te moldas aos ritmos e hábitos e como consegues não ser notada, camuflada quase na perfeição.
Queres encher-te com as cores, os cheios e os sabores e levá-los de volta contigo até que os voltes a sentir, até à próxima vez em que te fundires a esta cidade e a viveres em cada um dos teus passos. Por isso vês nascer o sol deitada na cama, através dessa janela sem estores e deixas que se ponha enquanto te deixas ficar deitada na relva, com o casaco quente de inverno a proteger-te os ossos do frio, a gola-carapuço a envolver-te a cabeça e a mola apertada junto ao pescoço. Vais percorrer as ruas por entre gargalhadas, como se algo mais te corresse nas veias - e não corre - sentindo o vento gelado no rosto e afundando mais as mãos nos bolsos. Não vais disparar, não vais registar o que te envolve - mas aí dentro vais guardar o momento em que atravessas a ponte e olhas em redor, rodopiando, e o momento em que o relógio alto alinha os ponteiros e bate as doze badaladas e do outro lado do rio, a cada badalada, a cor das luzes se altera e se mantem até que uma nova badalada lhe indica a mudança, a substituição, até que ao final das doze badaladas as luzes param e a cidade retoma o seu ritmo como se nada de mágico ali se tivesse passado.