terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

26 de fevereiro de 2013

(banda sonora para a leitura)

Fechas os olhos enquanto sentes o sol a passar por entre os ramos das árvores e a chegar até ti, aquecendo-te por fora. Inspiras e expiras com algo mais do que ar a querer sair de ti, a querer sair acima das vias respiratórias. Inspiras e expiras com um nó maior a formar-se na garganta e uma vontade grande de ser mais, de lutar por mais, de pedir mais. Inspiras e expiras segurando em ti todo o resto para além do ar. Inspiras e expiras. Olhos fechados. Sol. Inspiras e expiras e deixas-te levar pela banda sonora que trazes aí dentro. Os teus lábios mexem-se suavemente, murmurando todas as palavras que tão rapidamente se colaram a ti. Há um nó na garganta e há um nó maior a apertar-se devagarinho no peito, no órgão que te põe o sangue a correr mais depressa pelas veias quando murmuras para dentro as palavras que não te permites dizer em voz alta. 
Há um nó na garganta, no órgão que trazes ao peito e no outro, lá mais em cima. Lá em cima não há só um. Lá em cima tens um órgão que só é órgão devido ao emaranhado de nós que ali se acumularam. Todo o volume que tem são nós. Nós que não se desfazem. Nós que se embrulham e que te prendem neles. Prendem-te mais à medida que o nó que trazes ao peito se aperta mais, à medida que o sangue te corre cada vez mais devagar pelas veias e o o nó na garganta cresce até formar um novelo que te cala a voz e te bloqueia o ar. Inspiras e expiras mas a dada altura o que fazes é apenas abrir e fechar a boca. Abres e fechas a boca sem que o ar entre ou saia. E nos teus olhos, ainda com a banda sonora a tocar cá dentro, há um brilho maior e molhado, um brilho maior e molhado que ameaça espalhar-se por todo o rosto, escorregando para o resto de ti.
 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

24 de fevereiro de 2013


Parte I - leitura prévia

Parte II



Agora que pisaste os dois tapetes, agora que te deixaste ficar, descalça, de olhos fechados, em cima de ambos, percebes que nenhum é totalmente suave.
É verdade que conheces bem a textura (áspera) de um e que, ao início, a suavidade do outro te assustava, como se ao colocares um pé tivesses sempre receio de onde estarias a colocar o próximo. Depois, quando, ainda que a medo, te deixaste ficar, circulando devagarinho, avançando, deixando que os teus pés, a ponta dos teus pés, descrevessem pequenos círculos no chão, sentiste-te segura, sentiste-te confortável.
Não é totalmente suave. Talvez tenha sido isso a deixar-te confortável. É macio, sim, muito mais macio do que o outro, mas não totalmente. Quando os teus pés o tocam mais ao de leve, quando se deixam arrastar à superfície, há pedaços pequenos que te arranham, que te recordam sensações anteriores, que levam de volta ao passado e te recordam que tu serás sempre tu. Não há fuga possível. Não podes fugir para fora de ti mesma. Não podes levar a mão ao peito ou, mais acima, ao órgão acima de ti e substituí-los e é isso que faz de ti o que és.
Mas agora, agora que pisaste o tapete novo, agora que te deixaste ficar, descalça, de olhos fechados, em cima dele, percebes que te podias deixar ficar. Podias dobrar os joelhos, baixar todo o corpo em direção ao chão, podias senti-lo na tua pele. Agora que pisaste o tapete novo podias deixar-te ficar, podias deixar que a tua pele ficasse em contacto com ele em toda a sua extensão, podias deitar-te aqui e deixares-te ficar envolvida por ele, podias deixar-te ficar aqui com um só órgão a bater-te pelo corpo, com o órgão no teu peito a comandar-te as ações, com um total silêncio no topo de ti. Os teus pés dariam passos pouco seguros de cada vez que tivesses de te levantar, mas avançariam, e à medida que os passos se fossem acumulando tornar-se-iam mais seguros e tu poderias avançar em segurança, poderias avançar respeitando a nova cadência que te bate no peito.



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

20 de fevereiro de 2013

É a bagagem que transporto comigo e de que não me consigo livrar. Equilibra-me, por vezes, refreando-me os impulsos exagerados. De outras, o seu peso exagerado dificulta-me o passo, puxando-me para trás, não me deixando avançar. E andamos assim, avançando e recuando, numa espécie de dança desengonçada pouco harmoniosa e sem fim. Não se troca o par - mas talvez se devesse, especialmente quando este nos pisa os pés desta forma.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

14 de fevereiro de 2013

Tic-tac, tic-tac.
Consegues ouvi-lo a bater-te no peito, pendurado da corrente prateada que te rodeia o pescoço.
Tic-tac, tic-tac.  
Sempre a mesma cadência, sempre os mesmos intervalos, sempre o mesmo volume.  
Tic-tac, tic-tac.
Fechas os olhos perante uma imagem que te salta da memória e inspiras com força, inspiras com necessidade de oxigenar o sangue que te corre depressa nas veias. Inspiras cheio de ansiedade. E à medida que o ar te entra pelo corpo a tua respiração acelera-se, o órgão que te bate no peito agita-se e o
tic-tac, tic-tac
que ouves, pendurado na corrente prateada que te rodeia o pescoço, parece mais rápido, cada vez mais rápido. Inspiras e expiras tentanto controlá-lo. 
O ar, que antes descia aos pulmões e te oxigenava o sangue que te corre cada vez mais depressa nas veias, acumula-se-te na garganta, empurra-se mais a cada inspiração e enquanto te esforças por o deixares passar sentes pequenas gotas a escorregarem, lentamente, pela tua testa, rodeando-te os olhos, enevoando-te a vista. Puxas as mãos trémulas até à cara, usas as suas costas para tentares afastar as gotas que te escorregaram da testa e as outras, que te saltam dos olhos agora que ao abrires e fechares a boca uma e outra vez nada passa. Procuras apoiar-te no vidro atrás de ti tateando-o com uma mão, trémula e fria, ao mesmo tempo que a outra afaga o pescoço procurando assim desbloquear tudo o que ali se reuniu. A mão que te percorre o pescoço, afagando-o, sente o frio da corrente prateada e deixa-se escorregar até que o 
tic-tac, tic-tac 
esteja em contacto com a sua palma.
Abres e fechas a boca com lágrimas que te caem dos olhos e todo o rosto banhado por gotas que não são apenas de choro, com gotas geladas que te escorregam pelo rosto. Abres e fechas a boca e nada entra, nada sai. E então percebes que o 
tic-tac, tic-tac
que te bate no peito já não tem a mesma cadência, já não tem os mesmos intervalos, já não tem o mesmo volume.
O
tic-tac, tic-tac
bate-te no peito bate cada vez mais devagar e às mãos trémulas juntam-se umas pernas sem forças, uns braços caídos, um rosto molhado. Embrulhas-te sobre o 
tic-tac, tic-tac
que quase já não te bate no peito e sentes o frio do chão em contacto com a tua pele, com os olhos muito abertos a olhar a parede lá mais em baixo, o pedaço de parede que se une ao chão, enquanto uma mão te afaga o pescoço e a outra se deixa ficar sobre o 
tic-tac, tic-tac
procurando fazê-lo voltar ao seu ritmo, ao seu 
tic-tac, tic-tac
regular, ao seu
tic-tac, tic-tac
que te coloca o sangue a percorrer as veias e permite que, ao abrires e fechares a boca, este seja oxigenado.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

12 de fevereiro de 2013

Vou apaixonar-me por ti vezes e vezes sem conta. Vou fazê-lo repetidamente, vou senti-lo a partir do peito e por todo o corpo, vou senti-lo a correr-me pelas veias e depois vou bater em retirada.
De todas as vezes, de cada uma das vezes em que o sangue me correr pelas veias mais depressa, em que o órgão no peito bater mais depressa por ti, eu vou bater em retirada.  Vou assustar-me com a sua dimensão e com todas as perspetivas, vou tremer de medo, vou encontrar justificações para me afastar, vou envergar a armadura (mais uma vez) e bater em retirada.
Procuro tantas justificações, tantos motivos, que inevitavelmente os encontro em grande quantidade. Muitas vezes são contraditórios, muitas vezes no órgão no topo de mim travam-se duelos sem igual, debatem-se as complicações, debate-se o facilitismo. E de repente, no meio dos dias que correm devagar demais, acorda-se com a certeza de que bater em retirada é a melhor solução, que bater em retirada é a forma de evitar danos maiores, que é a forma de não danificar a armadura.
Abana-se a cabeça, esfregam-se as fontes, contorcem-se as mãos, fuma-se mais um cigarro, morde-se o lábio inferior até quase dar cabo dele. Inspira-se e expira-se com um nó maior na garganta e um medo crescente por cada um dos dias. Abrem-se muito os olhos ao espelho quando por debaixo deles se encontram manchas negras das noites que não querem avançar. E ao abrir os olhos, abre-se o peito e deixa-se sair. E de repente não há mais o que temer, não há nada mais a correr-te pelas veias, não nada a agitar-te a partir do peito. Estás segura aqui com a pele a tocar o metal em teu redor.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

9 de fevereiro de 2013


Este preto que é cheio de coisas e que ao pesar-te nos ombros te lembra tudo o que és, tudo o que foste, tudo o que fizeste já desde o dia em que pela primeira vez te cobriste com ele. Este preto que trarás sempre contigo, que será sempre parte de ti, que responde também à pergunta
De que camadas és feita?
e te faz sorrir ao recordar o passado. Este preto que é cheio de coisas, cheio de momentos, cheio de pessoas. Este preto que é sorrisos, que é lágrimas, que é gargalhadas e gritos, que são pessoas que chegam, pessoas que partem e pessoas que tornam a chegar. Este preto que te mudou a vida, que marcou momentos, que te fez menina-mulher, que te fez mulher, que te manteve sempre acompanhada e que hoje te faz cheia de certezas. Este preto que também és tu, que és tu e todos eles, que és tu, vocês e tudo o que são juntos.
Este preto que colocas aos ombros com uma emoção sempre grande, com uma responsabilidade crescente, com um orgulho maior.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

1 de fevereiro de 2013

Consegues antever o momento. Conseguiste fazê-lo. Fizeste-o em cada uma das vezes em que pegaste em tudo de forma atabalhoada e seguiste em frente sem que nada te impedisse. De cada vez que o fizeste conseguiste visualizar o momento em que tudo se desprenderia das tuas mãos para cair, despedaçando-se, aos teus pés.
Olhas o chão agora, procurando com os olhos bem abertos pequenos pedaços que possam permanecer intactos.Despedaçou-se tudo aos teus pés, com cada uma das partes a quebrar-se em pequenos cacos de reconstrução impossível, com o som de mil pedaços a embaterem no chão e a quebrarem-se, como que infinitamente, em teu redor.
O som do embate, o som dos mil pedaços, os mil pedaços. Tudo foi antevisto por ti em cada um dos dias em que pegando em cada coisa de forma atabalhoada fizeste questão de avançar sem que ninguém te impedisse.