quarta-feira, 19 de junho de 2013

18 de maio de 2005


Agora ela já quase que não dorme em casa.
A pouco e pouco o roupeiro vai ficando vazio, as caixas de sapatos vão saindo, e até os livros, as sebentas, e os cd's, são já apenas uma pequena amostra do que sempre foram. Agora o quarto só é arrumado de dois em dias, e a roupa vai-se amontoando aos pés na cama, num amontoado de calças de ganga, t-shirts, casacos e soutiens sem fim; à porta do quarto ficam à noite as meias e as cuecas desse dia, que no dia seguinte, depois de enfiar o casaco de lã a caminho da casa de banho, enfio no bolso para as colocar no cesto de roupa suja.
À noite deixo-me ficar no computador, teclando com força. E não há ninguém a reclamar do barulho, não há um queixume ensonado. A televisão agora raramente é ligada. E quando me enfio na cama já não há uma luz instável, umas vozes cruzadas. De manhã, quando o telemóvel toca e eu me deixo ficar na cama, se há alguém que me acorda, já não é de dentro, mas alguém que abre a porta e deixa entrar a luz do corredor. A casa de banho agora não é um espaço muito movimentado. Já ninguém me apressa, debatendo-se pela banheira. Quando regresso da escola, a cama continua por fazer e ninguém me colocou a roupa em cima da cama, ninguém fez um montinho com os livros espalhados no chão. Na mesa da cozinha não encontro a tostadeira, porque já não há ninguém que coma tostas.
Quando acordo, de manhã, espreguiço-me e faço aquele hummmm, esfrego os olhos, sorrio. E agora salto da cama e abro os estores. E lá vem o sol. Olho o espelho. E fujo para a banheira. Na verdade, gosto de ter duas camas, gosto de me espojar numa, e dormir noutra, gosto de separar sestas por camas, separar roupa de livros...gosto de ter todo este espaço. E vou adorar retirar uma das camas, ficar com um espaço grande; vou adorar pegar no rolo no Verão e pintar as 3 paredes com uma cor qualquer sem que me levantem objecções. Mas agora, agora que a pouco e pouco vou vendo o quarto a ficar vazio, na verdade também me sinto um pouco vazia. E não há mais aquele entusiasmo do «ela vai-se embora». Não. Sinto uma tristeza aqui dentro, dou por mim a olhar para ela e apetecer-me abraçá-la. E a ficar colada à cadeira. E sentir picos nos olhos. Na verdade acho que evito até falar. Deixo os dias passarem. Caladinha. Fingindo que nada de passa. Na verdade, não me sinto muito feliz. Por ela sim, claro, mas não por mim. É bom vê-la construir a sua vidinha, é bom vê-la sorridente, e entusiasmada com alguma coisa, mas...sinto um vazio tão grande cá dentro...é muito bom vê-la "crescer", construir uma vida a dois, vencer os medos que também eu herdei, mas é tão...fico feliz por ela, a sério que fico, mas ao mesmo tempo dou por mim a negar essa ida, e também a pensar que eu é que queria sair daqui. Acho que é mais difícil ficar que ir, e, construir uma vida a dois...
A minha mãe não diz, mas eu sei. Agora quando nos cruzamos na cozinha, olhamos o chão e ela cora. Não falamos. Não dizemos nada. Mas sei que faz tudo para a agradar. Já dei por ela a arrumar-me o quarto. Na verdade, tudo isto vai ficar demasiado calmo, demasiado silencioso.
Nunca lhe disse, mas gosto muito dela.

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