Histórias de (des)encantar*

O
Amor
Era
uma vez um menino chamado Francisco e uma menina chamada Josefina. Eles estavam
apaixonados e eles não queriam dizer porque pensavam que o outro não gostava
dela então a Josefina enviou uma carta ao Francisco mas o Francisco não via o
correio, eram os pais dele e eles deitaram fora a carta e depois o Francisco
foi deitar uma coisa ao lixo e viu a carta e depois eles casaram.
Talvez alguém te devesse dizer que o amor nem sempre flui
assim tão bem.
De cada vez que abro os vossos cadernos e me deparo com
textos assim há algo que se me aperta no peito. As vossas histórias de
príncipes e princesas - e a forma como crêem nelas - lembram-me a menina que
fui, a menina que acreditava.
Todas nós crescemos rodeadas de histórias assim: A Bela
Adormecida, A Cinderela, A Branca de neve e outras,
tantas outras, em que a donzela em apuros acaba salva por um príncipe cheio de
encantos. Ele é o cavalheiro que a toma em seus braços e que com um simples
beijo a resgata de uma qualquer situação difícil, seguindo-se o tão conhecido
"e viveram felizes para sempre". Resultado: crescemos e vivemos à
espera do príncipe, como se a vida não chegasse sequer a ser vida sem esse outro
elemento.
Há sobre estas histórias muito a dizer e nem sei por onde
começar. No essencial gostaria apenas de vos proteger da deceção que sempre
surge aquando do confronto com a realidade.
Talvez não vos devêssemos alimentar a histórias de encantar.
Não se vocês vão crescer à espera de serem protagonistas de uma tão bela assim,
não se vocês vão crescer a ver em cada rapaz um príncipe - e a descobrirem, uma
vez após a outra, que essa é uma espécie tão rara que poderão nunca a
encontrar.
Depois, a fórmula "príncipe salva princesa" terá
tantas vezes de ser invertida que é importante, muito importante, que não
fiquem presas à primeira. De outra forma, correrão o risco de ver o príncipe a
ser arrastado para as trevas ou a ser salvo por uma princesa mais perspicaz. Transmitam
também àqueles com que se cruzarem de que não dependem de príncipe algum para
que a vossa vida valha a pena - mas não o digam apenas: vivam em conformidade.
Sobre o final tantas vezes repetido do "viveram felizes
para sempre", lembrem-se por favor de que a história só termina após a
resolução do problema. Não sendo a vida uma narrativa de um evento só, é
importante ter presente que esta só chegará ao fim quando se esgotarem todas as
páginas em que é escrita. A um problema resolvido seguir-se-á sempre outro, na
sua escala tão própria. O importante a reter aqui é que, ultrapassado um
problema, poderão realmente ser felizes: até que um outro se atravesse no
caminho para colocar à prova essa tão especial união. Se a história será de
encantar isso ninguém saberá dizer. Se será para durar, quer queiramos quer
não, também não o poderemos afirmar. Que seja antes enquanto valer a pena. Só e
apenas: enquanto os sorrisos forem em número suficiente para que valha a pena.
Ao ler o teu texto gostava de me sentar contigo e de te
alertar para a impossibilidade de muito do que escreveste. Queria dizer-te que
os receios iniciais que referes tinham 50% de probabilidade de serem
justificados - mas a verdade é que existia também a possibilidade de que o amor
fosse correspondido e só uma menina destemida como a Josefina arriscaria.
Talvez por isso tenha sido tão bem sucedida: só assim se explica que uma carta
tenha resistido à sujidade do caixote do lixo, acabando por conduzir ao
casamento dos dois.
Talvez sejas tu quem, afinal, tem uma lição a transmitir.
* Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 3 de outubro de 2013
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