quarta-feira, 3 de setembro de 2025

2 de setembro de 2025

Há 20 anos, neste dia, talvez por esta hora, despedimo-nos do nosso pai.

O meu pai estava em Sesimbra. Sabíamos já nessa altura que o prognóstico não era bom - mas, a acontecer, seria lá que ele gostaria de estar.

Depois de dias de incertezas, soubemos que os soluços que não o largavam seriam um sinal do fim. Lembro-me de que praticamente fugi para casa de uma amiga que vivia a umas ruas de distância, que telefonei à mulher de um primo de quem gostava muito e que, depois, ao voltar para casa, precisei de me enfiar no banho para me acalmar.

Ao fim do dia metemo-nos no carro, ponte Vasco da Gama afora, e já a mais de meio caminho soubemos que afinal ia para o Santa Maria, que afinal a situação se agravava e o sofrimento seria grande - para ele e para quem o assistia. Invertemos a marcha e lá fomos. 

Chegámos a tempo de o ver sair do carro, muito apoiado. Seguia no banco de trás, deitado, cabeça apoiada no colo da amiga de sempre. Os olhos muito arregalados, o corpo tão frágil.

Permaneceu no corredor das urgências, uma visita de cada vez. As últimas palavras que lhe disse foram “gosto muito de ti”. 

No dia seguinte, depois de almoçarmos um coelho à caçador (ou terá sido arroz de coelho?) saímos para o hospital. Já não o chegámos a ver. Passaram 20 anos.


20 anos depois, não consigo responder à pergunta “Qual era a comida preferida do pai?”. Não sei se seria capaz de reconhecer a sua voz se a voltasse a ouvir ou as suas gargalhadas. Eu, que sempre fui dada aos cheiros, não sei se ainda reconheceria o seu. 

Em 20 anos a sua presença foi-se apagando - e isso deixa-me tão triste. Às vezes, em alguns dias, a sua presença passada é como aqueles sonhos de que acordamos a meio da noite e, por segundos, não sabemos bem se eram sonho ou realidade.

Há 20 anos atrás não tínhamos telemóveis com cameras e as digitais eram quase inexistentes. Não tenho vídeos que possa rever com facilidade e mesmo as fotografias são poucas.

20 anos sem o nosso pai apagaram muitas recordações - mas não foram suficientes para apagar as mais duras, para me fazer esquecer da forma dura como me foi roubado, pedaço por pedaço, ao longo de um ano. 


Há uns anos enviei uma coletânea de textos para um concurso de uma editora. A Margarida, a minha professora de português do Camões, referiu na sinopse que escreveu algo como “os pais morrem sempre cedo de mais”.

Seria sempre cedo de mais. Foi cedo de mais.

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