sábado, 28 de dezembro de 2013

16 de dezembro de 2013

Porquê(s)*
E, de repente, faz-se luz. Faz-se luz aí dentro quando menos esperas.
É aquela vontade súbita que vai crescendo, a vontade súbita de um cigarro, de inspirar com força o seu fumo.
Tens passado dias, meses até, a tentar juntar as peças do puzzle. Colocas aqui, retiras dali, olhas de perto e mais ao longe, mas as linhas, as cores de diferenças ténues, parecem esbater-se mais com o tempo e então as peças, que colocas aqui e retiras dali, continuam a passar-te pelas mãos num ciclo sem fim. Mas, de repente, fez-se luz.
E enquanto, com as mãos trémulas, procuras agarrar o isqueiro, com a respiração prestes a fugir ao teu controlo, há um
Porque não eu?
a explodir-te no peito, a sair-te pela boca, a elevar-se no ar. Deixaste-o sair sem querer. Permitiste-te senti-lo com vergonha quando tudo o que querias era partilhar a felicidade alheia. Mas o
Porque não eu?
que deixaste escapar foi sentido. Sentido agora e sentido antes. Sentido antes e agora retomado. Perguntas-te
- Porque não eu?
 e perguntas também
- Porque não comigo?
e depois, invariavelmente, deixas que o teu corpo escorregue em direção ao chão, com as costas a arrastarem-se pela parede e um braço a abraçar os joelhos já lá em baixo, enquanto que o outro, segurando o cigarro, procura segurar também as lágrimas antes que estas te molhem o rosto.
- Porque não comigo?
E zangas-te. Zangas-te a sério. Zangas-te com os outros mas zangas-te especialmente contigo. Tu que quiseste mudar a vida. Tu que, cheia de medo, colocaste (quase) tudo no prego.
E queres gritar-lhe. Queres gritar-lhe bem para que te oiça – assim, com os ouvidos e com todos os outros sentidos. Queres que perceba pela tua linguagem corporal, queres que lhe doa no peito o que antes – e agora – tanto te doeu a ti. De repente, isso é tudo o que queres. Magoá-lo um bocadinho, magoá-lo muito. Torcer-lhe o coração no peito ao ponto de quase o arrancares – como se assim o arrancasses da vida que agora tem e de que não fazes parte. Queres gritar-lhe:
Porque não comigo?
Mas tudo o que consegues dizer, ainda que baixinho, é que foi por ti. Foi por ti que não. Foi o teu medo e as constantes questões que gerou e que lhe colocaste – uma após a outra. Foi pela tua ansiedade. Foi pelo teu amor. Foi por todo o teu amor que ele não te amou. Tu, que deste tudo – e mais um bocadinho (grande). Foi por ti que ele não te pôde amar por inteiro.
E assim te cresce mais a dor no peito. E a vontade que antes tinhas não existe mais. Agora queres endireitar o coração no peito com cuidado, compondo-o e colocando-lhe até um lacinho. Queres dar festinhas ao coração alheio. Queres cuidá-lo tanto – mais uma vez. E assim o teu se torce mais um bocadinho sob o peso de mais uma falha que sempre entendes como tua. Quando a única questão que deverias colocar seria:
- Porquê tu?
ou
- Porquê contigo?
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 16 de dezembro de 2013

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