domingo, 8 de dezembro de 2013

2 de dezembro de 2013

Tu Conheces o Sabor*
E ela escorre pelo ralo. Não é a água, são pedaços dela que se vão à medida que a água escorre. Percorrendo-lhe cada pedacinho da pele, tocando os cantinhos escondidos de um corpo mirrado, descendo silenciosamente em direção ao fundo. Água quente que se deixa escorrer deliciosamente de cima para baixo, hesitando em casa curva, em cada elevação intermitente do seu peito. Como que treme, hesitante, e por fim desliza, em frente, ou desviando-se ligeiramente, à procura de um caminho mais fácil. E depois desce profundamente, entrando por buraquinhos com saídas profundas, escorregando em direção a um profundo desconhecido. E afunda-se. Afundam-se as duas. Como que entrelaçadas, como que juntas num pacto de sobrevivência, como que tecidos não resistentes à água. E as gotas passam, escorregam de um cabelo molhado, percorrem-lhe silenciosa e deliciosamente as costas. Devagarinho. Como devagarinho deve ser. Como num jogo de prazer e dor. Como dois dedos de uma mão conhecida que se deixam ir devagarinho num sobe e desce desligado. Suavemente. Ao de leve. Brincando. Desenhando círculos, espirais e palavras que se esquecem de ler. Como uma língua. Sabes. Devagarinho. Húmida. Deliciosamente áspera. Que vagueia à deriva. Como uns lábios esquecidos de encontro a uma pele molhada. A água. Vai descendo. Devagarinho. Em direção ao chão. Como a roupa escorrega pelos nossos corpos. Como cai o vestido à noite. Como escorregam as calças. Como saem peças de roupa inúteis. Como as despimos sem precisarmos delas. A água vai descendo devagarinho em direção ao chão. Devagarinho. Ao chão. Ao fundo. Pedaços dela. A sua pele molhada. As gotas que descem devagarinho pelas costas. O cheiro que tu conheces. A água. A espuma. Umas gotas percorrendo um delicioso caminho até ao fundo. Ao chão. O ralo. A água que escorre. A pele molhada. O cheiro. A língua. Uns lábios.
Inspira…
Os lábios.
expira…inspira…
A língua.
expira…inspira…
Os dedos.
expira…inspira…
hum…expira…
Tu conheces o sabor. O cheiro. A textura. A pele.
Inspira…
…expira.
Ainda te lembras?
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 2 de dezembro de 2013

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