sábado, 28 de dezembro de 2013

9 de dezembro de 2013

Zanga de menina*
O trabalho por fazer pesa-te nos ombros. Não o fazes mas também não o esqueces. Não o esqueces quando ao sábado de manhã te deixas ficar afundada em lençóis, com os teus pés a passearem-se devagarinho pelos pés alheios, ou quando trocas palavras com um brilhante sol de inverno a brilhar sobre o mar à tua frente ou ainda quando te vês rodeada pela família (ou amigos). Não o esqueces mas também não o fazes.
Por vezes sentas-te à secretária. Sentas-te mesmo com o objetivo de despachar trabalho. É desta, desta faço tudo. Mas o teu cérebro parece não querer colaborar e tu não o queres forçar. E então divagas. Procuras manter-te atualizada socialmente, vendo atualizações de estado, vendo rostos que há muito não vês de perto. Por vezes visitas álbuns inteiros, de foto em foto. E é aí que a nostalgia quase sempre te apanha.
É a nostalgia do que foi. A nostalgia do que continua a existir para além de ti. As amizades que o tempo, a vida, os acontecimentos – tudo junto ou nada disto, tu não sabes ainda dizer – te levou. E sentes uma angustia a crescer-te no peito.
Zangas-te por não teres antecipado perdas, por não teres tido precaução em situações que tu previas que te fossem estragar relações, afastando-te de pessoas que sempre estiveram perto. Zangas-te com o trabalho – todo o trabalho – que te afasta do que é importante, com todas as vezes em que disseste
- Não posso, tenho de trabalhar
mesmo sabendo que depois darias por ti a nada fazer, a procrastinar no sofá, na cama, no computador – em todo o lado – para não teres de o fazer.
Zangas-te por teres crescido, por estares a crescer, por seres responsável – e por teres, indubitavelmente, de o ser. Zangas-te com a vida de pessoa crescida que te roubou tempo para os amigos, para os livros, para os moleskines, para as tardes na relva da Gulbenkian, para os pés na areia quente, para a brisa fria do rio aos teus pés.
Zangas-te, e zangas-te mais um bocadinho, por nem isto poderes fazer. Não há tempo. E há um peso maior a acumular-se nos teus ombros por todo o trabalho que se continua a acumular.
(E é por isso que agora fecho o moleskine e o atiro para o lado com força: para trabalhar).
                                                   *Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 9 de dezembro de 2013

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. ...e nós, leitores, amigos, seguidores, anônimos...gostamos muito do resultado do teu "trabalho"!
    Luís...

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