domingo, 22 de dezembro de 2024

22 de dezembro de 2024

Na tua vida connosco temos tido muitos momentos felizes. De todos, destaco o dia em que te trouxemos para casa bebé e o de ontem, quando te trouxemos para casa ao fim de 3 noites internado.
Se no primeiro dia vim só feliz, feliz, ontem senti o mesmo de quando eu e o F tivemos alta da maternidade: feliz e cheia de medo de que não corresse bem, de que não fôssemos bem sucedidos sem os médicos e enfermeiros, que tivéssemos de voltar.

Uma gastroenterite. Tu, que sempre foste dado a diarreias - não fosses um provador nato de tudo quanto são porcarias que encontras na rua - foste-te abaixo em dois dias e de repente também havia muito sangue, vómitos e uma anorexia. Se os dois primeiros foram corrigidos ainda no internamento, a anorexia não deu tréguas. “Coitadolândia”, consideraram os veterinários sobre o teu estado anímico. Vieste para casa, ontem, à prova: viemos testar se em casa o teu apetite voltava, se o amor da família te devolvia o ânimo. 
Cantámos vitória quando acedeste a comer três pequenos pedaços de frango desfiado, mal sabendo nós que seriam os únicos que irias aceitar. Estamos a tornar-nos prós em enfiar-te goela abaixo a medicação que tens de fazer. O arroz de frango, cheio de caldo, continua intocado. Pela primeira vez na tua vida servimos-te patê (ainda que gastrointestinal) que, ainda assim, só aceitas comer servido pedacinho a pedacinho diretamente da minha mão. Doença ou mimo? 

Olhar para ti estes dias deu um bocadinho cabo de mim. Foi como se envelhecesses 10 anos em um dia ou dois. O medo de que cada abraço fosse o último e os sintomas com que lidámos reativaram em mim memórias do passado. Não estava pronta para te perder. Não estou e nunca estarei. Comentei esta semana que só conseguia pensar que tu ias morrer (agora) e ouvi um “e vai morrer, um dia vai morrer” - e eu não sei como vou conseguir lidar com isso algum dia mas, percebi, acima de tudo não sei como vou lidar com a deterioração do teu corpo, das tuas capacidades, do teu ânimo. Fui valente há muitos anos atrás - a que custo? - mas não quero ser mais. Talvez eu já não seja a Joana dos 18. 
Quando fores, quando tiver mesmo de ser, que possas ir inteiro, com o teu ar feliz, rodeado de amor e da tua família.

Agora ando por aqui, a rondar-te com ansiedade. Levantei-me de noite, pensando ter ouvido algum barulho. Ajudei-te a levantar - para onde foi a força dessas patas, Alf? - e a trocar de sítio, de posição. Deite-te água, sempre com receio de que seja de menos, de que seja demais.
Anorexia, por solidariedade, decidiu o meu corpo. Náuseas também.

Quero dar-te tudo para que não tenhas de voltar e, ao mesmo tempo, tenho de respeitar o tempo, não ter pressa, aceitar que não posso controlar. Seria fácil, não fosse eu este poço de ansiedade e de necessidade de controlo.

O meu presente de Natal chegou mais cedo. O Alf está em casa.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

12 de novembro de 2024

Um dia, numa sessão de terapia, falávamos do quão disruptivo o ruído é para mim, de como a minha ansiedade escala quando há demasiados estímulos em meu redor - especialmente os sonoros. Descobri, nesse dia, que colocar as mãos em concha sobre os ouvidos me consegue devolver alguma calma. 

Há um ano ou dois, já depois dessa sessão, comprei uns tampões para os ouvidos. Pensei, até, que estaria a exagerar mas pouco tempo depois, numa viagem de trabalho, percebi que não era a única a usá-los, que havia até quem tivesse mais do que um modelo.

Uso-os em almoços ruidosos, centros comerciais ou em salas partilhadas quando qualquer som me faz perder o foco. Uso-os em ambientes em que a minha respiração acelera, o ar não me desce do peito e a minha ansiedade dispara. Coloco-os e a sensação é a de vir à tona depois de ter sustido a respiração por demasiado tempo.


Ter os tampões nos ouvidos consegue (quase) reproduzir a sensação de quando flutuo de ouvidos submersos e oiço a minha própria respiração - e nada mais. 

Imagino-me muitas vezes a entrar no mar gelado, a sentir aquele choque térmico, a ter de controlar a respiração e a deixar que o frio me desligue as ideias, me bloqueie os sentidos e seja só eu e o mar. Eu, os meus ouvidos submersos e a minha respiração a fazer-se ouvir. Desligar.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

15 de agosto de 2024


Saíram da minha vida, não sei se de repente ou se foi um afastamento gradual. 

Eu estava ali, a entrar na faculdade, a conhecer pessoas, a tentar ultrapassar a dor de o ter perdido e às tantas dei conta de que me tinhas desaparecido sem que eu soubesse como nem porquê.

Ou então já mais tarde, depois de mudar de trabalho, de dar a volta ao final de uma relação.

Ou agora, mais recentemente, quando os jantares deixaram de acontecer e dei por mim a insistir para que marcássemos alguma coisa, sentindo-me coxa da tua companhia.


Sei que há na minha história pessoas, várias, que se foram. Um ghosting, como se diz hoje em dia, de quem se vai sem pré-aviso e corta todos os meios de comunicação. Não sei porque o fizeste. Não sei e, talvez por isso, volto recorrentemente a este sítio.

Sonho contigo, uma e outra vez, ou recordo conversas que tivemos, ou rio-me sozinha de coisas que aconteceram - coisas que só tu e eu sabemos, coisas que vivemos, que não partilhámos, que fazem parte da nossa história.


O problema das pessoas que se vão - sem pré-aviso, sem motivo claro - é o que deixam para trás: medos, inseguranças, receio do abandono. Não sendo necessariamente sobre mim, nunca deixa realmente de o ser.

Questiono-me muitas vezes se as pessoas com quem me relaciono agora também um dia baterão com a porta, se estão por pena ou o que as leva, realmente, a estar ao meu lado. Se tu te foste, o que impede os outros de seguirem o mesmo caminho?

Por que razão estiveste ao meu lado? Por que motivo escolheste ir? Falhei-te? Deixei de te servir? Deixou de fazer sentido? Tantas perguntas, tão poucas respostas.


Escrevo isto e pouso os óculos ao meu lado no sofá. Cruzo mais as pernas e puxo o computador para cima. Limpo as lágrimas, uma e outra vez.

Os medos que são nossos não têm de pesar nos outros - mas o que se faz às perguntas sem resposta que continuam a ressoar cá dentro?


No outro dia, depois de um jantar de família, a minha irmã disse-me que ele tinha estado a ler o meu blogue. Achei engraçado. Devo ter sorrido, talvez até um pouco envergonhada - enquanto passava mentalmente em revista os temas que poderia ter encontrado por lá. 

Perguntei-lhe se tinha gostado, o que tinha achado. Perguntei-lhe se tinha chorado e rimo-nos os dois quando lhe sugeri que o usasse naqueles dias em que as lágrimas teimam em não sair. 

Ele comentou que eu nunca usava nomes, só pronomes. Curioso ter reparado.

Há uns anos, um velho amigo disse-me que eu tinha um registo muito próprio que ficava sempre íntimo para quem me lê.


A escrita pode fazer de nós as personagens principais de uma história que lemos - em que às vezes nos encaixamos mesmo. Talvez este texto pudesse ter sido um email, uma mensagem longa. Talvez este texto pudesse ter sido enviado aos destinatários. Talvez. Ou talvez assim possamos todos ser personagem e refletir sobre as vezes em que deixámos de (querer) estar e os motivos que nos fizeram partir ou ficar. Talvez possamos até pegar no telemóvel, no computador, num lápis ou caneta e escrever respostas que devemos a alguém. 


terça-feira, 16 de julho de 2024

16 de julho de 2024

Hoje o meu filho faz 6 anos - e eu nem sei bem como chegámos até aqui.

Há pouco uma amiga perguntava “como 6 anos?!” e eu respondi exatamente o que sinto: “também estou para perceber”.

(quase) todos os clichês acerca de ver crescer um filho correspondem à verdade, começando por aquele que nos dizem quando estamos de cabelo sujo e banho por tomar, de maminhas de fora e a fechar um olho de cada vez: “aproveita, passa depressa”. E passa. Passa muito depressa. 

Passa tão depressa que olhando para trás não tenho bem a certeza de ter estado inteiramente presente por algum tempo. Talvez não tenha estado, realmente, enquanto lutava contra este lugar de mãe, enquanto me procurava sem perceber que a versão anterior não existia mais.

Foram precisos anos e várias sessões de terapia - há que dizê-lo - para que eu me encontrasse no presente e parasse de procurar a Joana que ficou antes de 2018 - e que não mais voltará.

São dores de crescimento para que não nos preparam - ou pelo menos a mim ninguém me preparou. Hoje, faço questão de não deixar por dizer às minhas amigas que não são mães, faço questão de as preparar para o pior - esperando, sempre, que a sua experiência seja melhor do que a minha.

Ser mãe não é uma capacidade inata - pelo menos não para todas, não para mim. Não falo já de engravidar - embora pudesse dizer exatamente o mesmo a esse respeito. Falo de ser mãe, cuidadora, do ato de maternar. Ser mãe não só não é uma capacidade inata como, acredito também, não é para todas.

Talvez alguns de cansem de me ouvir dizer isto - ainda que eu não me canse de o dizer - que não fui feita para isto. A maternidade não me encaixa. E isso não quer dizer que eu não seja boa neste papel, que não o desempenhe com qualidade. Sei que o faço. Sei, também, que me sai do pelo, das entranhas, que me esforço muito, sem descanso. Sei que nunca me ouvirão dizer que ser mãe é o melhor do mundo - ainda que, claro, me dê muito de bom.

Ver crescer alguém e dar-lhe a mão é, muitas vezes, bater de frente com aquele que foi o nosso crescimento, as nossas experiências, a nossa educação. Ajudar um filho a superar inseguranças quando sou, eu própria, um poço delas é pisar muitas vezes em falso, é ter de ir pé ante pé em muitas situações. É saber que alguém conta connosco - para sempre - e que não podemos (ou gostaríamos de evitar) falhar.

Ser mãe é um exercício constante de superação - mais calma, mais paciência, mais empatia, mais compreensão, mais humor, mais rigor. É uma tentativa, constante, de fazer melhor do que fizeram connosco. E questionar, sempre, tantas vezes. É aprender que o importante é dar o meu melhor - e que esse varia de dia para dia - é tentar de novo quando for preciso, é pedir desculpa quando erro. 

Hoje o meu filho faz 6 anos. Está mais seguro, mais confiante. Quer ler, escrever e fazer contas. Adora futebol e ténis. Respeita os amigos e é respeitado. 

Às vezes, nos dias difíceis, também me sabe dizer “não gostei da forma como falaste” - e então eu sei que estou a fazer um bom trabalho.