terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

25 de fevereiro de 2025

 
Há uns anos foi o covid a fazer disparar a minha ansiedade. O covid ou a maternidade. Ou talvez a maternidade e a doença tenham sido o ponto de partida. Ou talvez a infertilidade. Sei que um dia, já o covid durava há um ano, dei por mim a sentir uma pressão no pescoço, um aperto. Achei que era ele que estaria de volta. Afinal, depois de um telefonema para o meu médico e uma receita médica aviada, percebi que o que tinha era ansiedade. Ele receitara-me um ansiolítico e eu acordei ótima no dia seguinte. 
Treinar às 5h30 da manhã foi algo que me ajudou, bastante, enquanto fui capaz de o fazer. Mais recentemente, já sem essa ajuda, foi o estado de saúde do Alf a ligar todos os meus alarmes.
A semana passada estava a dar uma aula. Olhei para a imagem projetada no quadro e percebi que tremia. Primeiro foi só isso. Depois senti que o chão tremia por debaixo dos meus pés. Houve um ou dois miúdos que perguntaram
- is it a earth quake?
mas o tremor foi rápido o suficiente para que eu tivesse dúvidas, para que lhes dissesse
- não, foi só alguém a saltar cá em cima.
Logo depois o meu telefone começou a apitar com mensagens, várias, e percebi que tinha acabado de enganar um grupo de alunos.
Desde aí que os meus ouvidos ficaram mais atentos e todos os meus sentidos mais alerta. Há um medo, agora acordado, que habita em mim.
No sábado, enquanto atravessava sozinha a ponte, pensei que os deixava para trás e que não estaríamos juntos se acontecesse. No início desta semana, a meio de uma reunião, ouvi um barulho e senti que o chão me tremia debaixo dos pés. Congelei. Troquei olhares com uma colega e as duas pensámos ter sentido algo. O IPMA não o mostra e não sei o que terá sido. Contudo, sinto que gelei, que estive a um bocadinho de ficar mesmo aflita.
Hoje, sozinha em casa com o F e o Alf, dei por mim a pensar “se acontece hoje, estou sozinha em casa com uma criança e um cão (parcialmente) inválido.” Talvez os dedos de duas mãos não sejam suficientes para contar o número de vezes, por dia, que tenho consultado o IPMA
Em todos os motivos que podem ter dado origem à minha ansiedade, para cada um deles, percebo que o que a gera é a impossibilidade de controlar. Todos estes eventos que fogem, completamente, aos meu controlo desestabilizam-me, tiram-me o sono, agitam-me.  

Viver na minha cabeça não é fácil. Quem me dera que ao menos a ansiedade fugisse dela. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

23 de janeiro de 2025

Eu não achei que o resultado fosse ser positivo. Ao contrário do que aconteceu da outra vez, em que eu simplesmente soube que estava doente, desta vez eu não achei que estivesse. Ainda assim, esperei expectante.

Esperei naquela espécie de vestiário com 1 m2, despida da cintura para cima, abraçando-me a mim mesma, cheia de pele de galinha. Esperei, deitada na marquesa, fitando o teto e pensado no tempo que passava, no frio que sentia, nos tremores que me esforçava por controlar. Esperei e questionei porque motivo deixara o livro na sala de espera, que pelo menos me podia evadir para outro sítio enquanto esperava. Esperei, enquanto o médico preparava o ecógrafo e analisava insistentemente o mesmo ponto - um pouco mais para a direita, um pouco mais para a esquerda, pressionando mais ou menos, estudando a imagem procurando sinais de vascularização. E eu esperei, mais ou menos paciente, sentindo o frio tomar conta de mim. Fui largando uma ou outra pergunta, colocadas a medo, receando perturbar a sua concentração e o seu olho clínico. Perguntei e esperei por respostas, mais ou menos evasivas.

Observei os objetos que iam sendo passados por cima de mim e escutei atentamente cada pequena explicação que me ia sendo dada

- Agora vou anestesiar

- Agora vou fazer uma pequena incisão

e os objetos a passarem por cima de mim, da assistente para o médico e, por vezes, novamente no caminho inverso.

- Agora vais sentir uma pressão

- Agora um disparo, não te assustes

Dei um salto. E o objeto a ser devolvido à assistente e a regressar às mãos do médico. Observei-o nessa transição e comparei-o a um termómetro da carne. Seguiram-se mais alguns disparos - talvez dois, talvez três. Pensei na minha amiga C. e questionei-me pelo que teria passado, quantas vezes a teriam picado durante todo o processo. 

A dada altura, um disparo (o último) veio acompanhado de uma dor muito forte - tão forte que me fez soltar um

- Ai, ai, ai… 

Tira braço da posição, mexe, repõe. E todo o autocontrole a fugir-me. O corpo a começar a tremer. O médico a pressionar a incisão e a explicar-me que um vaso tinha sido cortado. A assistente a colocar a mão no meu braço livre. E eu a inspirar e expirar de forma muito controlada, como se em cada movimento respiratório desse comandos a mim mesma

- Inspira, expira. Inspira, expira.

São colocados pensos. O médico continua a fazer pressão. E a dada altura olha para mim e diz-me 

- Isso - seriam os tremores? - é da dor ou dos pensamentos maus?

E eu tento responder mas tudo o que consigo fazer é cobrir os olhos com a mão livre e chorar compulsivamente, ao mesmo tempo que o meu corpo se deixa ir em tremores incessantes. Foi a dor. Foi a dor e o medo, foram as imagens do passado e o medo de que se repetissem.

Visto uma bata, desloco-me para outra sala para mais uma imagem, oferecem-me por várias vezes um banco. Colocam-me o penso cirúrgico e sou encaminhada até à sala de espera. A espera que deveria ser de 5 dias foi afinal de 2. 

Eu não achei que o resultado fosse ser positivo. E não foi. 

Estou safa.

domingo, 5 de janeiro de 2025

5 de janeiro de 2025

Este ano, não este mas em 2024, dei por mim a começar a pensar no teu fim. A dada altura foi como se se fosse tornando claro para mim que o nosso tempo contigo seria finito. Não sei se foram as infeções urinárias, se sair da loja de animais de fraldas na mão e lágrimas nos olhos, mas houve alguma coisa a trazer-me esta angústia de que não durarias para sempre.
Lembro-me de que em novembro, quando fomos a banhos no Creiro, olhei para ti de pêlo molhado e pensei
- Será esta a última vez?
Tens só 8 anos. Tens só 8 anos mas estas últimas semanas tornaram muito claro que és já um sénior. 
As hérnias discais que tens desde sempre entraram em crise, provavelmente pelos dias parado no internamento. Coxeavas da pata da infeção e depois, pelo esforço, da pata antes boa. A coluna, arqueada, indicava dificuldades também nas traseiras. Tens dor ciática, coisa que julgava ser só das pessoas.
As semanas passaram  com idas ao veterinário dia sim, dia não. Novas maleitas a cada visita. É infeção, vamos tentar com gelo; afinal antibiótico. Não foi suficiente? Juntamos o anti-inflamatório. A beber muita água? Colheita de urina. Densidade baixa? Testamos valores renais e, já agora, marcadores tumorais - não confirmados, felizmente.
Passaram-se já duas semanas neste papel de enfermeira. Ao menos que falasses, que te queixasses, que soltasses um “ai” aqui e ali para percebermos o teu desconforto. O sono leve da noite é interrompido sempre que acho que oiço “miar”. Vou e mudo-te de posição. Faço-te levantar a meio da noite para que se manhã não te custe tanto. Imagino a frustração que a falta de autonomia te deve provocar - lembras-te quando eras cachorro e me mordias sempre que ficavas frustrado? Parece ter sido há décadas.
Deixas fazer tudo. Manipulação, injetáveis, análises. Nem um “ai”. 
Temos andado por aqui às apalpadelas, a assistir com expectativa aos dias melhores, a conter a apreensão nos dias menos bons. Não ficaste sozinho nem 5 minutos desde que voltaste a casa, receosos de te deixar tão pouco autónomo. 
Hoje, para fechar estar 2 semanas de dedicação exclusiva, saíste pela primeira vez do sofá só com a força das tuas patas. De que serás capaz amanhã?