sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

25 de janeiro de 2013

Levanto os olhos das mãos, do copo de papel, da mesa de metal verde. Levanto-os a medo, levanto-os enquanto as palavras se passeiam na minha boca, enquanto o orgão acima do pescoço as mastiga demoradamente. Mastigo as palavras enquanto a tua pergunta me ecoa nos ouvidos
- O que é que querias fazer?
O orgão acima do pescoço mastiga as palavras, os ouvidos digerem o significado das tuas, os meus olhos procuram os teus à procura da coragem para que a boca se abra e deixe sair as palavras.
- Eu queria voltar atrás - digo numa voz sumida. - Queria tão somente poder voltar atrás. 
Os teus olhos abrem-se mais, os teus lábios mudos de espanto.
- Sim, eu queria voltar atrás. Eu queria voltar ao conforto do silêncio que se guardava cá dentro, ao conforto das palavras acumuladas harmoniosamente, ligadas de perto ao bater suave do órgão que me pulsa no peito. Sim, eu queria voltar atrás e abdicar à partida, abdicar antes da partida, destes sons silenciosos que me embalam depressa de mais, que me agitam na confusão da sua ida e da sua vinda, que aceleram o sangue que me circula nas veias, que me trazem do peito diretamente ao orgão acima do pescoço todas as palavras silenciosas de um cinza pálido antes camufladas. Sim, eu queria voltar atrás. Eu queria voltar atrás ao antes de saber o que era, ao antes de saber que queria, ao antes de saber que trazia comigo todas as palavras. Sim, eu queria voltar atrás. Queria voltar atrás ao tempo em que, fechando os olhos, não havia palavras a percorrerem-me o interior das pálpebras a um ritmo acelerado e com cores fortes, ao tempo em que, por detrás das pálpebras, havia apenas um branco e letras de um cinzento tão claro, tão ténue, tão apagado, que os dias corriam sem dar por elas.
Os teus olhos muito abertos do outro da mesa, os teus ouvidos a mastigarem os sons que me saem dos lábios, o órgão no topo de ti a digeri-los devagarinho, o sangue a circular-te mais depressa nas veias, a levar com ele cada pedaço de som até ao orgão que te pulsa no peito e te faz morder o lábio para esquecer que há uma dor maior que te embala o corpo.
 

1 comentário:

  1. Nunca voltar atras! O que temos pela frente so pode ser esclarecedor. Pelo menos c palavras e cor!... :) CL

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