terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

10 de fevereiro de 2015

A minha J. começou a ler. Finalmente. Já.
A minha J. já começou finalmente a ler.
Sou professora desta turma há 3 anos. Trago-os comigo desde o 1.º, quando lhes faltavam ainda os dentes, a altura, a maturidade. Tive as minhas batalhas. Olho para trás e percebo que venci (vencemos) a maioria - mas não todas.
O ano passado tive de as deixar para trás, de as deixar cair. E ainda que acreditando ser o melhor para as duas, continuo frequentemente a sentir que as deixei para trás - embora as veja felizes, embora as veja ainda a lutar para acompanharem os grupos. Fui quem as deixou para trás, quem não as conseguiu trazer consigo.
Hoje a professora da minha J. (será sempre a minha J.) veio dar-me uma boa notícia.
- A J. está a ler!
E eu sorri. Sorri por fora e por dentro, ao mesmo tempo que as lágrimas me enchiam os olhos. Quando ela se levantou a Ana disse-me o seu
- Então?
e as lágrimas escorregaram-me pelo rosto. Chorei de alegria e de orgulho nela - sempre. Chorei de tristeza porque eu não vi, porque não foi comigo, porque não fui eu quem conseguiu levá-la até lá, porque fui quem a deixou. Porque não consigo deixar de me perguntar
- Terei feito tudo?
e porque, sempre que o faço, me esqueço de tudo o que nos dificultou este processo desde a raiz.
À tarde ela foi visitar-nos. Encaminhou-se para a biblioteca e quando lhe perguntei se queria ler só para mim ou se para todos ela respondeu, segura:
- Para todos.
E então os 48 olhos pousaram-se nela e eles deixaram-se ficar a ouvir. E vi, em cada um dos 24 sorrisos, um orgulho maior porque a nossa J. já lê. Elogiaram-na e ela quis fugir de vergonha.
A minha J. já lê. E eu não consigo deixar de me colocar em causa.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

5 de fevereiro de 2015

Hoje fazes 6 anos.
Lembro-me como se fosse hoje. Era um sábado (ou talvez um domingo) e eu estava a trabalhar. Estava no último ano da faculdade e aproveitava os fins-de-semana para ganhar um dinheirinho a fazer festas de aniversário no Sporting. A minha irmã ligou-me e eu rejeitei, explicando por mensagem que estava a trabalhar. Ela respondeu
- Tens de atender!
E eu liguei de volta. Então soube que vinhas a caminho.
Seguiram-se meses de ansiedade. A barriga dela crescia e eu queria que tu saísses para te poder conhecer. Quando uma ecografia se aproximava eu desejava que o teu pai não pudesse ir para que fosse eu a ver-te em tempo real. Punha a mão na sua barriga à espera de te sentir. E um dia senti, a sério. Pensamos mesmo que terás dado a volta quando a minha mão estava sobre a barriga da tua mãe. Por segundos achei que fosses rasgá-la e sair naquele preciso momento.
Deixaste-te estar confortável por 40 semanas e 1 dia, até que, no dia marcado como data limite te trouxeram ao mundo. Nesse dia eu estava a dar aulas no meu estágio. Tinha avisado logo de manhã que estava à espera de uma chamada muito importante. A dada altura, penso que por volta do meio dia, o teu pai telefonou-me e eu saí disparada de telemóvel na mão. Quando reentrei os miúdos estavam a fazer uma festa porque a Filipa, minha colega, lhes havia explicado tudo. Nenhuma de nós esqueceu esse momento.
Estás crescido.
Lembro-me de que começaste a falar cedo e que começaste quase desde logo a construir frases, cada vez mais completas, mais complexas. Lembro-me de que ficava (e fico) espantada com o teu vocabulário e com os teus raciocínios. Sem termo de comparação para a idade, foste para mim sempre um pequeno prodígio.
Lembro-me que te rias à gargalhada quando o ouvias falar. Lembro-me que perguntaste por ele vezes sem conta. Lembro-me que gostei de ti desde o primeiro dia. Temos o nosso código quando algum quer ouvir que o outro gosta de nós. Orgulho-me de o ter criado contigo desde tão cedo:
- Como o macaco gosta de banana...?
- Eu gosto de ti!
A dada altura um amigo sugeriu-me que devíamos diversificar e a isso também achaste piada:
- Como os gordos gostam de comer doces...?
- Eu gosto de ti!
E gosto, gosto muito.
Há pouco tempo foste dormir a minha casa num dia de semana. Isto depois de teres mudado, daquela que sempre foi a tua escola, para o meu colégio; depois de nos teres mostrado que eras capaz, que estávamos a menosprezar a tua capacidade de adaptação. Foste comigo da escola para casa, fizemos uma atividade, tomaste banho, secámos-te o cabelo, jantámos, contei-te uma ou duas histórias tontas acabadas de inventar e adormeceste. E eu voltei uma, duas, três vezes, só para te observar. Que delícia.
Um dia, não há muito tempo, tentava explicar a uma amiga o quão importante és para mim. Disse-lhe algo como só um dia, quando tiver um meu, vou gostar tanto de alguém como gosto dele. E mesmo nessa altura, vou gostar tanto de ti!
Parabéns, meu bebé. Hoje fazes 6 anos. Pequeno homenzinho!