segunda-feira, 31 de março de 2014

27 de março de 2014

Agarra-me bem*
E quando eu quiser fugir, por favor não me deixes ir. Quando me assustar, quando sentir uma ameaça a aproximar-se - podendo ser real ou não - não me deixes ir. 
O meu primeiro impulso vai ser fugir-te. O meu impulso será sempre afastar-me. Vou querer fugir ao conflito, à dor antecipada, ao nó que se me forma instantaneamente no peito. Às lágrimas que se equilibram entre as pestanas inferiores enublando-me a vista.
As minhas pernas vão agitar-se, vou querer fumar um cigarro enquanto procuro acalmar o ímpeto de simplesmente me levantar e sair sem trocar uma única palavra que possa explicar (minimamente) o que me vai cá dentro. Vou querer afastar-me. Vou querer afastar-te. Poderei até querer ser um pouco cruel. Não cruel, sincera. Posso querer ser sincera a um nível que só neste estado me arrisco a ser - e que por isso mal conheces ainda. Posso querer espetar-te uma faca no peito e rodá-la ainda, uma e outra vez. Posso querer meter-te medo mostrando-te o pior de mim - só para que te prepares, só para que saibas com o que podes contar e não mais te desiludas.
Talvez depois eu consiga respirar fundo. Inspirar, segurar, expirar. Inspirar, segurar, expirar. Mas continuarei a fugir. A afastar-te com palavras e gestos. 
Agarra-me bem nessa altura. Não me deixes fugir-te. Agarra-me para que saiba que é aqui que devo estar, para que saiba que é aqui que me queres. Porque em alturas assim eu vou deixar de saber. Colocarei em causa cada gesto, cada palavra. Duvidarei do presente - quanto mais do futuro. Mas por favor agarra-me bem, deixa que me esconda - mas em ti. Eventualmente eu acabarei por falar, por expulsar sob a forma de palavras as dores que me pesam no peito. Mas até lá, enquanto procuro apenas proteger-me, por favor não me deixes ir.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 31 de março de 2014

terça-feira, 25 de março de 2014

23 de março de 2014

Que fosse a primeira. Ao tropeçar em pedaços do passado alheio, apercebo-me do quanto gostaria de ser a primeira. 
Os sorrisos, as quase lágrimas de felicidade, os apertos sucessivos. Por vezes queria que nunca tivessem existido, que os partilhássemos, nós, pela primeira vez. Que todos os planos feitos a dois fossem inéditos, que os nossos olhos nunca antes tivessem pousado lá mais à frente, que os espaços que agora partilhamos nunca antes tivessem sido ocupados.
E, no entanto, o passado está em nós. Há um rasto que nos segue. Há rostos. Amores e desamores. Dores imensas a encerrarem momentos felizes - aqueles, que julgáramos serem para sempre.
E hoje, quando nos olhamos olhos nos olhos e fazemos planos para o futuro, por vezes questiono-me:
- Será realmente diferente?
ou
- Por que será diferente desta vez?
Se nada tivesse falhado antes seria fácil não questionar. Assim, fica mais difícil.
Ainda que a resposta esteja em mim, ainda que saiba o que é diferente, há bocadinhos de mim que por vezes questionam
- Não foi sempre diferente?
Então prefiro não olhar para trás. Não tropeçar em passado algum. Quase fingir que ele nunca existiu. (Ainda que a sua existência por vezes me arranhe, me crie um nó no estômago e uma vontade grande de fugir para onde não me possa nunca magoar).

Então quase que agradeço que o passado que por vezes se atravessa no nosso caminho sem ser convidado seja o meu - porque se fosse outro talvez eu não o soubesse gerir. Gosto demasiado do lugar que ocupo - prefiro pensar que sempre foi meu.

terça-feira, 18 de março de 2014

15 de março de 2014

Os silêncios soam-me a distância. Cada minuto que decorre sem uma troca de palavras - qualquer uma - soa a distância que se inicia, que se alastra a cada minuto. E eu lido mal com distâncias.
Os silêncios deixam-me zangada. Deixam-me insegura. Deixam-me magoada. Os silêncios deixam-me em (quase) lágrimas que eu não sou capaz de segurar, tão pouco de deixar cair. Os silêncios deixam-me num misto de emoções à flor da pele que se misturam, se entranham e me baralham.
A música a tocar no rádio não interrompe o silêncio. Caminha, ali no topo dele, como que a cavalgá-lo, a dirigi-lo. Coexiste para me lembrar que o silêncio permanece, que o contraste entre o que ouço e o resto é grande. Existe para me lembrar que para além dela - independentemente do volume em que a ouça - há todo um silêncio a rodear-me, a isolar-me como que numa bolha de sabão - mas das que descem (não das que sobem) em direção a um sítio escuro.
As luzes que vão passando por mim depressa - se pudesse passariam ainda mais depressa - como que a puxarem consigo todos os momentos cheios de luz, de sorrisos brilhantes. E eu a afastar-me mais, cada vez mais, para um sítio escuro, de silêncios. A minha boca, abrindo-se e fechando-se, e as minhas mãos a desejarem um cigarro que pudessem segurar entre o indicador e o médio, aproximando-o da boca, permitindo-me inalar o fumo. A minha boca abrindo-se, procurando que as palavras me saíssem - mas um nó formado a meio caminho a impedir a saída.
Os minutos vão passando. Total silêncio para além da música. E a distância, essa, a crescer a olhos vistos. A mão a afastar-se. As pernas a retesarem-se. Os ombros contraídos e os olhos muito abertos, quase esbugalhados, a procurarem ver lá mais à frente.
Abro e fecho a boca repetidamente. Quase pego na lapiseira amarela para que as palavras me escorreguem pelas pontas dos dedos até às linhas do moleskine preto que sempre me acompanha. Mas depois, ao abrir a boca, as palavras saem-me finalmente. Assim meio para dentro, de forma pouco audível. Que depois tenho de repetir. Saem-me aos atropelos, aos empurrões. Empurram medos escondidos cá dentro. Afastam os planos para o futuro. Saem-me como pedras atiradas. Medos que se pronunciam em voz alta. E a distância ainda um fosso entre nós. Os silêncios forçados. Os olhos molhados. O abdominal a contrair-se repetidamente, prendendo o choro que a tensão em mim sempre provoca.
O meu problema são as palavras. Soltas. Em demasia. A falta delas, os silêncios, são distância de mim mesma.

terça-feira, 11 de março de 2014

7 de março de 2014

Aos (quase) fantasmas do passado*
Quero dizer-te que a notícia me deixou imensamente triste. Primeiro em choque, surpreendida.  Depois apenas triste.
Não é uma notícia que se espere receber. Ali, no meu local de trabalho, entre pares. Não consegui segurar a minha mão antes que esta me cobrisse a boca na tentativa (vã) de conter o espanto. Tão pouco consegui segurar as minhas pernas na mesma posição e por isso me vi escorregar em direção ao chão com a parede a guiar-me o caminho. Não sei já se as lágrimas me escorregaram pelo rosto ao mesmo tempo que o meu corpo desceu pela parede ou se só depois. Sei, apenas, que a notícia me apanhou de surpresa – pelo menos naquela altura. E que enquanto acendia um cigarro a chama tremia na extensão das minhas mãos.
Conversa puxa conversa, vi-me a revisitar o passado. Ao descrever comportamentos do passado vi os fantasmas a aproximarem-se a passos largos de mim. Revisitei espaços de que me despedi faz tempo. Assisti, sentada num canto em silêncio, a monólogos travados noite(s) dentro. Revivi o desespero que me crescia no peito e me bloqueava as ações. E então todos os pequenos passos que fiz nesta corrida para longe do passado pareceram parcialmente anulados à medida que os fantasmas vaguearam ligeiros por aqui.
As palavras foram-se seguindo umas às outras – sem pedir licença, sem atender ao presente e ao quão distante este é do passado. Talvez eu lhe quisesse gritar que se mantivesse longe, que aqui não há lugar a fantasmas do passado. Talvez eu devesse ter afirmado o meu direito de não ter a vida invadida por (mais) fantasmas do passado. Podia tê-lo feito. Tê-lo-ia feito se o passado me tivesse batido à porta em vez de se ter limitado a entrar sem pedir licença. Ter-lhe-ia chamado egoísta e recordado conversas em que afirmei a distância que me separa do que foi – e do que não mais voltará a ser. Teria anulado toda a minha sensibilidade – aquela que antes me diziam ter em excesso – para colocar os fantasmas no seu devido lugar: um sítio escuro. E distante.
Mas depois, quando me voltei a erguer – embora ainda apoiada à parede – as peças foram-se compondo. Assim, uma sobre a outra, encostando-se numa sequência lógica. E então a surpresa foi substituída. Substituída por algo diferente. Como que apenas uma constatação de algo que afinal talvez se esperasse – parcialmente. Talvez esta constatação ajude a encaixar peças do passado, a arrumá-las no sítio certo. Talvez explique a queda de algumas que pareciam empurradas por uma qualquer corrente de ar. Ainda assim, há constatações que não se desejam fazer na vida. Espera-se apenas que estejamos certos nas escolhas que fazemos, nas escolhas que os outros fazem. Não se espera – ou (eu) não espero – ver outros falhar. Entristecem-me também as falhas alheias. Mas acontecendo, e previsto em parte, há por vezes o impulso de dizer
- Eu bem avisei.
Palavras que não me chegam a sair porque a razão não mais me faz falta. Porque preferia não a ter. Não nisto.
A razão traz-me questões de responsabilidade. Questão após questão. As noites tornam-se maiores, os sonos mais agitados. Um mau estar em forma de ponto de interrogação a navegar-me no pensamento, a questionar-me
- E se?
Ou
- Devia?
Mas fecho os olhos com força. Inspiro profundamente. Inspiro o presente, reavivo os sorrisos e os planos, reaqueço o coração. Estou em paz. Estou em paz com quase tudo o que a vida me foi trazendo – e com grande parte do que me levou. Talvez não o diga vezes suficientes e por isso faço agora questão de repetir: estou em paz com tudo o que foi. Digo também: estou imensamente feliz com o que é. Espero que também tu, em breve, o consigas.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 10 de março de 2014