terça-feira, 19 de abril de 2016

19 de abril de 2016

Houve dias difíceis. Dias em que me agachei nos corredores, quase a tocar o chão. Dias em que as páginas se sucediam umas às outras, me passavam pela ponta dos dedos, prendendo-me a atenção, deixando que me escondesse do que se passava em redor. Porque houve dias, vários, em que me quis esconder.  Dias em que as máquinas apitavam, em que nos entreolhávamos em silêncio. Dias em que esperávamos pelo melhor, ainda que sem saber bem o que esperar. Dias, vários. 
Houve histórias que fomos ouvindo naqueles mesmos corredores, histórias da vida que se ia indo, histórias de quem já se ia, de quem ficava. Histórias que traremos sempre connosco, que fazem parte da nossa. Histórias como a nossa.
Houve dias mais difíceis, horas várias agachada. Horas, umas após as outras, quase sem sair do mesmo lugar. Foram dias, ainda que nem muitos, ainda que poucos. São dias ainda, às vezes.
Houve dias que chegaram a ser noites, quase sempre chuvosas. 
Houve um dia, já noite, em que cobri as mãos com as luvas, vesti a bata e coloquei a máscara e fiquei só ali, a ver o teu peito que se insuflava com a força da máquina, com um barulho que não era o teu, com um silêncio quase ensurdecedor em ti. A janela, mais atrás, quase escondida por detrás de todos os monitores. E o ventilador que subia e descia. Nesse dia, em que me despedi de ti ali, enquanto te via, enquanto te olhava e via aquilo que somos - que é afinal tão pouco - gritei. Gritei a plenos pulmões, com a chuva a cair com força no limpa párabrisas e isto a tocar bem alto em meu redor.
Hoje os dias são outros. 
Ontem, enquanto ouvia isto, enquanto ouvia todas as vozes entoando isto em coro, tentei acreditar.
dog days are over.