terça-feira, 21 de junho de 2016

19 de maio de 2016

Quero fotografá-los várias vezes ao dia. Enquanto os observo, de olhos bem abertos, atenta às suas reações, à forma como interagem, quero fotografá-los, guardar para sempre alguns dos momentos que partilhamos.
Como esta semana, quando os vi abraçarem-se os dois mesmo à minha frente, um feliz por ter recebido o desenho de parabéns, o outro feliz por ter surpreendido o amigo. Um abraço tão carinhoso, tão sincero. E eu tão feliz a observá-los, a querer guardar aquela imagem em mim.
Como hoje quando atrás do palco, já prontos para entrar em cena, lhes perguntei se a minha franja estava bem e os ouvi a dizer que estava, "Como sempre", mas que a gola da camisa estava torta. E então dei por mim a ser arranjada por um deles, com aquelas mãozinhas ainda um pouco gorduchas a colocarem-me a gola da camisa para dentro da camisola. Entrei em palco sem saber bem o que dizer e quando voltei aos bastidores eram eles quem me aplaudia, uns erguendo os polegares, outros sorrindo.
Como no fim, enquanto cantavam em semicírculo a música de encerramento e eu me agachava atrás da cortina e os observava daquele meu cantinho - com as lágrimas a caírem umas atrás das outras. 
Quero fotografá-los com medo que a minha memória não seja suficiente para segurar em mim todos os momentos que passámos juntos.

terça-feira, 19 de abril de 2016

19 de abril de 2016

Houve dias difíceis. Dias em que me agachei nos corredores, quase a tocar o chão. Dias em que as páginas se sucediam umas às outras, me passavam pela ponta dos dedos, prendendo-me a atenção, deixando que me escondesse do que se passava em redor. Porque houve dias, vários, em que me quis esconder.  Dias em que as máquinas apitavam, em que nos entreolhávamos em silêncio. Dias em que esperávamos pelo melhor, ainda que sem saber bem o que esperar. Dias, vários. 
Houve histórias que fomos ouvindo naqueles mesmos corredores, histórias da vida que se ia indo, histórias de quem já se ia, de quem ficava. Histórias que traremos sempre connosco, que fazem parte da nossa. Histórias como a nossa.
Houve dias mais difíceis, horas várias agachada. Horas, umas após as outras, quase sem sair do mesmo lugar. Foram dias, ainda que nem muitos, ainda que poucos. São dias ainda, às vezes.
Houve dias que chegaram a ser noites, quase sempre chuvosas. 
Houve um dia, já noite, em que cobri as mãos com as luvas, vesti a bata e coloquei a máscara e fiquei só ali, a ver o teu peito que se insuflava com a força da máquina, com um barulho que não era o teu, com um silêncio quase ensurdecedor em ti. A janela, mais atrás, quase escondida por detrás de todos os monitores. E o ventilador que subia e descia. Nesse dia, em que me despedi de ti ali, enquanto te via, enquanto te olhava e via aquilo que somos - que é afinal tão pouco - gritei. Gritei a plenos pulmões, com a chuva a cair com força no limpa párabrisas e isto a tocar bem alto em meu redor.
Hoje os dias são outros. 
Ontem, enquanto ouvia isto, enquanto ouvia todas as vozes entoando isto em coro, tentei acreditar.
dog days are over.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

25 de janeiro de 2016

No outro dia vi alguns dos seus trabalhos mais recentes, vi como o seu trabalho está a crescer, a ganhar outra dimensão, e tive saudades. Tive saudades do nervoso miudinho antes de cada prova, das nossas vozes no elevador apertado. Tive saudades de entrar dentro do vestido, de as ver a ajustarem-no a mim, num puxa daqui e puxa dali. Tive saudades de me olhar ao espelho, prova após prova, e de o ver, de nos ver, ganhar forma. Tive saudades até das nossas vozes em sussurro elevador abaixo, procurando não ser ouvidas até ouvirmos a porta que sempre estourava à nossa saída. Tive saudades daquele momento em que o vi olhar para mim dentro daquele vestido como quem vê, de repente, que eu cresci.
No natal enviámos um email ao senhor do catering. Queríamos ter enviado também um email ao padre mas acabou por nos faltar o tempo (e também a lembrança). Sinto, sentimos, que todas as pessoas que fizeram parte daquele dia farão para sempre parte das nossas vidas: a Pureza do vestido, o meu Gabriel do cabelo, o Tadeia do catering, o padre Abraão da melhor cerimónia de sempre, o Bruno e o Tiago das fotografias - os nossos amigos, a nossa família.
Tivemos a sorte de nos rodearmos de pessoas sempre disponíveis a ajudar, mesmo com o mau feitio que a ansiedade por vezes provocou. O padre Abraão não foi exceção. Ele foi reuniões à noite à porta da igreja em que discutimos os perigos de andar de mota, missal revisto online, telefonema no dia do casamento para o avisar de que estava atrasado. E agora sorrio quando penso nisso. Eu fui a noiva que fez questão de escrever no croqui "A noiva será pontual". E teria sido, não fosse saber que o padre estava atrasado.
Digo, com alguma frequência, que não me lembro de ouvir a música. Tenho a sensação de ter percorrido o corredor demasiado depressa. Sei que assim que passei a porta o meu queixo começou a tremer e os meus olhos se encheram de lágrimas que não chegaram a cair. Vi-a lá à frente, de queixo também a tremer e de lágrimas nos olhos a dizer-me com os lábios
- Não chores.
Sorrio quando penso na cerimónia, na forma como o padre integrou os meus alunos, como brincou e nos acarinhou a todos com as suas palavras, como - quando todos se questionavam se podiam aplaudir - ele pediu que nos cantassem os parabéns e nos deu para apagar as velas do altar. Pressiono ligeiramente um lábio contra o outro quando me lembro da forma como ela fez a sua leitura, revendo-me a mim própria anos antes. Rio-me quando me lembro de colocar o meu lenço molhado no bolso do noivo.
Eu nunca quis casar. Até chegar a altura em que quis. Eu dizia que ia odiar o dia do casamento, que "não sou uma pessoa de pessoas", que não ia ter paciência para estar rodeada de gente todo o dia. Mas o dia voou. Não era gente, era a minha gente - e isso fez toda a diferença. Não houve uma só pessoa que eu não fizesse questão de ter presente - naquele dia e em todos os outros.
E o dia voou, entre fotografias que eternizaram aqueles momentos, entre sorrisos partilhados, entre passos de dança dentro do vestido já castanho de arrastar no chão. 
6 meses depois, continuo com saudades deste dia. Obrigada. Foi o dia mais feliz da minha vida. E tenho as melhores pessoas.