terça-feira, 29 de janeiro de 2013

29 de janeiro de 2013

Estas paredes brancas que se parecem com todas todas as outras paredes brancas de sítios como estes. Não há o cheiro - mas ninguém precisa do cheiro quando o traz dentro de si.
Perdi a conta aos dias, aos momentos, em que sentada em salas sem identidade esperei por respostas, por mensagens esclarecedoras.
Sentada nesta cadeira olhando o branco à minha frente, ao meu lado, em todo o lado, espero novamente por respostas. Espero enquanto revejo o passado, enquanto recordo todos os dias em que este branco me rodeou por tempo demais. Era tão mais fácil sentar-me e esperar se não tivesse um passado em sítios como este, se todo esse passado não ameaçasse cair-me em cima enquanto espero.

domingo, 27 de janeiro de 2013

27 de janeiro de 2013

Seguro o copo com ambas as mãos e trago-o à altura do queixo. Deixo que a cabeça descaia, que se apoie no plástico da tampa, enquanto o calor do copo se estende às minhas mãos.
O vidro está a ficar molhado. São gotas. Primeiro pintas, depois pintas que se estendem em linhas quase retas, com pequenas curvas e contracurvas, tão ligeiras, tão suaves, que um olhar menos atento poderia não conseguir distingui-las. Está a chover lá fora. É lá fora, sim, mas em alguns momentos parece-me que é cá dentro, parece-me que se esticar o dedo indicador poderei sentir a água gelada de encontro à minha pele.
Observo as gotas, primeiro pintas, depois linhas, e as luzes amareladas que se espelham no vidro na noite que agora começa a cair. É agora, é daqui a muito pouco, mas a chuva que caiu das nuvens negras durante todo o dia, durante todos os últimos dias, parece ter trazido a noite há já muito tempo.
Beberico, levando o copo aos lábios, e deixo que o café, o chocolate e o leite me aqueçam, estendendo o calor do copo para além das minhas mãos.
Sinto cada gota no vidro como se fosse em mim. Cada gota que embate contra ele podia estar a tocar-me a pele. Cada gota que escorre por ele abaixo poderia estar a escorrer aqui, podia estar deslizar, podia demorar-se até parar, hesitante, no meu queixo. E o meu dedo indicador que se estica para verificar que as gostas estão lá fora podia afinal tocar-me a pele, amparando as gotas desde o início do seu percurso.
Fecho os olhos, deixando que o café, o chocolate e o leite quentes se mantenham por ali, espicaçando as pupilas gustativas e fazendo-me esquecer que lá fora há gostas de água a bater contra o vidro e a escorrer por ele abaixo.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

25 de janeiro de 2013

Levanto os olhos das mãos, do copo de papel, da mesa de metal verde. Levanto-os a medo, levanto-os enquanto as palavras se passeiam na minha boca, enquanto o orgão acima do pescoço as mastiga demoradamente. Mastigo as palavras enquanto a tua pergunta me ecoa nos ouvidos
- O que é que querias fazer?
O orgão acima do pescoço mastiga as palavras, os ouvidos digerem o significado das tuas, os meus olhos procuram os teus à procura da coragem para que a boca se abra e deixe sair as palavras.
- Eu queria voltar atrás - digo numa voz sumida. - Queria tão somente poder voltar atrás. 
Os teus olhos abrem-se mais, os teus lábios mudos de espanto.
- Sim, eu queria voltar atrás. Eu queria voltar ao conforto do silêncio que se guardava cá dentro, ao conforto das palavras acumuladas harmoniosamente, ligadas de perto ao bater suave do órgão que me pulsa no peito. Sim, eu queria voltar atrás e abdicar à partida, abdicar antes da partida, destes sons silenciosos que me embalam depressa de mais, que me agitam na confusão da sua ida e da sua vinda, que aceleram o sangue que me circula nas veias, que me trazem do peito diretamente ao orgão acima do pescoço todas as palavras silenciosas de um cinza pálido antes camufladas. Sim, eu queria voltar atrás. Eu queria voltar atrás ao antes de saber o que era, ao antes de saber que queria, ao antes de saber que trazia comigo todas as palavras. Sim, eu queria voltar atrás. Queria voltar atrás ao tempo em que, fechando os olhos, não havia palavras a percorrerem-me o interior das pálpebras a um ritmo acelerado e com cores fortes, ao tempo em que, por detrás das pálpebras, havia apenas um branco e letras de um cinzento tão claro, tão ténue, tão apagado, que os dias corriam sem dar por elas.
Os teus olhos muito abertos do outro da mesa, os teus ouvidos a mastigarem os sons que me saem dos lábios, o órgão no topo de ti a digeri-los devagarinho, o sangue a circular-te mais depressa nas veias, a levar com ele cada pedaço de som até ao orgão que te pulsa no peito e te faz morder o lábio para esquecer que há uma dor maior que te embala o corpo.
 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

23 de janeiro de 2013 (parte II)

Calo as perguntas, ao mesmo tempo que o meu balão de insegurança, que antes transportava comigo para todo o lado debaixo do braço, quase me envolve. É ele que me transporta agora.
O balão esta cheio, tão perto de rebentar que de quando em vez tenho de lhe aliviar um pouco a pressão.
E usas analogias.
Sim, uso. Uso analogias porque são a forma de dizer sem o fazer realmente - ou a forma de, dizendo, poder refugiar-me nas múltiplas interpretações possíveis. Uso as minhas analogias e, por vezes, coloco questões. Coloco-as cheia de medo e, de cada vez que o faço, enquanto aguardo a resposta, o balão de insegurança aumenta tanto que as tuas palavras, à partida tranquilizadoras, conseguem apenas devolvê-lo ao tamanho anterior - e não mais. E é por isso que acabamos por voltar sempre ao mesmo: comigo a usar analogias para obter respostas que possam aliviar a pressão no balão da insegurança - e com nenhuma das respostas a conseguir o efeito necessário.
Vou levantar os olhos agora. Vou levantar os olhos da calçada escura, vou pousar o copo vazio no chão e acender mais um cigarro e vou olhar para ti, sentado ao meu lado neste degrau de pedra. Vou olhar-te a medo, e sei que o meu corpo vai contrair-se mais, mas agora que o som saiu pela minha boca, acompanhando o seu abrir e fechar, já me podes tocar e puxares-me para ti. Vão haver espasmos à medida que o nó molhado se desfizer na minha garganta - mas agora que já podes quebrar a contração do meu corpo, agora que já não há sons que possam sair abafados ou soluçados não precisas de te manter a alguns centímetros.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

22 de janeiro de 2013 (parte I)

Passo por ti uma vez. Estás sentada no degrau de pedra, cigarro numa mão, copo com tonalidade rosa na outra - e o olhar para além do chão, num sítio mais fundo, mais distante. Passo por ti uma vez, hesito, e volto a passar. Volto a passar para ficar, para, sem palavras, me sentar ao teu lado, a poucos centímetros de ti e me deixar ficar a ouvir-te no silêncio.
Não me olhas - não de frente - mas quando os meus olhos pousam em ti, procurando palavras que os teus lábios não dizem, o teu corpo contrai-se subitamente, procurando controlar os espasmos de uma dor escondida. O teu corpo inteiro quer ceder - só o órgão acima do pescoço o faz manter enclausurada a dor.
Hesitas. Abres a boca uma e outra vez. Abres a boca e pareces surpreendida com a total ausência de som. Passas a mão pelo pescoço, sobre a garganta, procurando assim desfazer o nó molhado que ali se criou. Abres a boca uma e outra vez e, quando finalmente o movimento é acompanhado de um som, não é só um mas toda uma sequência - uma sequência de sons que acompanha o abrir e fechar da tua boca, o tapar das mãos com as mangas da camisola, o inspirar e expirar acelerado.
Quero tocar-te. Quero passar a mão por cima dos teus ombros e puxar-te mais para mim. Não o faço para não quebrar a contração do teu corpo - porque sem ela os sons sairiam abafados, soluçados. Puxo um cigarro do teu maço e concentro-me nas tuas palavras, nos sons sequenciados que acompanham o abrir e fechar da tua boca.
As tuas analogias são a melhor forma que tens de te expressares. São a tua contração sonora. Queres que ouça entre palavras, que saiba entender o que deixas por dizer. Falas, alongas-te nas comparações, e nem sempre me é fácil ouvir para além do que me dizes, perceber o que me queres realmente dizer.

domingo, 20 de janeiro de 2013

20 de janeiro de 2013

Está escuro lá fora - é o escuro da noite e o escuro do céu coberto por nuvens escuras.
Avanças pela estrada segurando firmemente o volante, com os ouvidos a sentirem-se agredidos pelo incessante cair da chuva e os olhos a lutarem por ver mais à frente, tentando abstrair-se do vai e vem das escovas do limpa para-brisas constantemente a querer roubar a sua atenção. O esforço de ver mais à frente mantem-nos abertos por demasiado tempo - tanto que a lágrima se torna insuficiente e também as lentes decidem agredir-te os sentidos.
Avanças pela estrada a lutar com a noite, com a chuva, com os sentidos demasiadamente sensíveis, acossados com tantos estímulos. Queres puxar de um cigarro, inspirar com vontade e expirar com força para afastares a nuvem maior pousada no orgão acima da cabeça - aquele com ligação direta ao outro, com o que te fica no peito, no exato sítio em que o cinto o atravessa.
Avanças pela estrada a lutar com o que te ataca do exterior - e com o resto, com que te atacas a ti própria.
Eventualmente chegarás ao destino intacta - pelo menos no que é visível aos olhos dos outros - e amanhã, quando o dia nascer, o sol vai inundar o espaço circundante, mas só esse. Aí, no orgão acima do pescoço, continuará a ser travada uma verdadeira batalha - mais uma, de uma guerra que parece não ter fim.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

17 de janeiro de 2013

(Re)descobres a cada dia os motivos que te fizeram escolher.
Percorres ensonada o caminho até lá, com os dedos a percorrerem os botões à procura da sonoridade adequada ao estado de espírito matinal e os olhos a lutarem ainda com a luminosidade de um novo dia que se te apresenta. Inspiras e expiras, procurando expulsar o sono que ainda te tolda o raciocínio e por vezes te cola à almofada por demasiado tempo.
Recebem-te olhos doces e ansiosos por descobertas que façam o dia valer a pena. Há sorrisos que te contagiam e te mostram, logo pela manhã, que o dia a que te entregas vale a pena por isto.
Geres o tempo na correria do costume, procurando que te acompanhem, procurando acompanhá-los, e deixas-te conquistar pelos pequenos seres ávidos de conhecimento. E de repente, na correria do dia, enquanto procuras manter o total controlo da situação, ouves comentários de uma completa ingenuidade que sem préaviso te arrancam sorrisos e te deliciam por completo. E no silêncio da sala, nos raros momentos de completo silêncio, ouves a insistente repetição de sílabas, a sua junção numa palavra, e paras, silenciosa, com um brilho maior a nascer-te nos olhos e um grito de alegria a sufocar na garganta. Os olhos pequenos levantam-se para ti, à espera de aprovação, e tudo o que consegues é sorrir, com todo o rosto a acompanhar a elevação dos lábios, com uns olhos prestes a transbordar a alegria acumulada. Em cada uma dessas espantosas descobertas sorris para dentro e dizes a ti própria
- É por isto.
É por isso, para assistir esse processo quase mágico, que fizeste esta escolha. Foi para receberes este magnífico prémio, para veres aumentar o número de troféus, para os quereres cada vez maiores.
No caminho de regresso a casa levas um peso maior no peito, transportando-os  e a todas as pequenas conquistas do dia e sorris. Sorris independentemente do botão que pressionas ou da luz que te acompanha. É certo que nem sempre tens força para elevares os lábios num sorriso físico mas ainda assim há um sorriso maior em ti, por dentro, no exato sítio em que o cinto te cruza o peito.
Escolheste pelos truques de magia, para te surpreenderes a ti mesma com cada um que resulta, escolheste pelo sorriso maior que levas em ti no final de cada dia. O que fazes define-te também. Tu és também o que fazes, o que escolheste fazer.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

14 de janeiro de 2013

Quando tudo se esgotar aqui o que irá sobrar em ti?
Tens pesado todos os prós e contras, analisado cada palavra, cada gesto (que procuras visualizar) e tentado perceber o porquê, o como, o para quê. Perguntas-te vezes sem conta se deves avançar. Respiras fundo, tentas ganhar calma e viver com ela - mas essa pessoa não és tu em alguma altura tens de regressar. E regressas, regressas vezes sem conta, mesmo quando tudo o que queres é fugir. Analisas cada detalhe enquanto avanças mas a pergunta ecoa em ti
Quando tudo se esgotar o que irá sobrar em ti?
Tentas fugir à questão. Olhas o teto e no seu branco são projetados todos os anos, todos os momentos, todas as memórias fotográficas do passado comum. Sorris pela união, pela partilha, pelos segredos. Puxas o despertados da prateleira acima da tua cabeça e vês os minutos a passar, os minutos que acabarão por se transformar em horas - em mais horas em que voltas ao que és.
Quando tudo se esgotar aqui o que irá sobrar em ti?
- Volto atrás. Quando tudo se esgotar eu volto atrás, volto ao ponto antes da partida.
Não voltas. Já passaste o ponto sem retorno. Tudo o que disseste, tudo o que deixaste sair do orgão abaixo da cabeça, embora repetidamente analisado pelo outro, já saiu, já foi partilhado - e não, não existe um delete que possas pressionar e é por isso que não há retorno. Por isso, quando tudo se esgotar aqui o que sobrará em ti não será nunca igual ao que tinhas à partida. É um ponto sem retorno.
Abres os olhos a meio da noite, vês projetados todos os anos e mexes-te impacientemente pelos minutos que passam, pelas horas dedicadas. Sabes que não há volta a dar.
Quando tudo se esgotar aqui nada sobrará para ti.

sábado, 12 de janeiro de 2013

12 de janeiro de 2013

De repente tudo se questiona. É como se te tirassem o tapete debaixo dos pés - ou como se pisasses um extraordinariamente suave, tão diferente do áspero a que te tinhas habituado que o seu toque te retrai as entranhas e te acelera o coração. 
E agora? O que farás agora? 
Colocas um pé no tapete áspero de sempre e o outro no novo, no extraordinariamente suave. Os teus pés estão descalços, sem meias, nus. Distribuis bem o peso por ambos os pés, deixas que a planta destes assente sobre os tapetes. Inspiras e expiras enquanto a tua pele se habitua às texturas. Os teus dedos fletem-se e esticam-se repetidamente, tateando o tecido, trazendo no regresso impressões alongadas a transmitir ao órgão lá em cima, no topo de ti. 
O que te oferecem são tapetes diferentes, são tapetes bem distintos. Um não tem a suavidade do outro mas os teus pés, habituados que estão a percorre-lo, talvez a dispensem de bom grado. Não saberás onde pisar e o teu passo seguro dará lugar a uns passinhos leves e hesitantes, bem diferentes da forma a que te habituaste a percorrer a vida. 
Balouças o corpo, com os braços estendidos em direção ao chão, e os teus dedos soltos tocam-te ao de leve na pele enquanto oscilas o peso entre uma perna e outra, um pé e outro, um tapete e outro. Inspiras e expiras, fechas os olhos demoradamente, sentes o coração a bater-te no peito e as fontes latejam-te, obrigando-te a respirar mais alto, com mais força. Oscilas mais uma vez o peso de um pé para o outro, tateando atentamente a superfície por debaixo deles. Abres finalmente os olhos e sorris, ao mesmo tempo que o peito do pé que elevaras no ar se encosta suavemente à perna esticada, enrolando-se ao joelho de forma contorcida. Sorris, com um só pé assente lá em baixo.