quinta-feira, 18 de outubro de 2018

18 de outubro de 2018

Eu podia dizer
Estava no trânsito quando soube.
Podia dizer
estava parada no trânsito, sentada ao lado do meu filho, já depois de ter saltado do banco da frente.
Podia dizer
foi aí que soube 
mas seria mentira. Eu soube antes, soube uma ou duas semanas antes, quando depois da primeira ecografia me disseram que teria de fazer uma punção. Soube quando no final da punção olhei a médica nos olhos e lhe perguntei
- Não me quer dizer nada?
E ela me fugiu com os olhos, dizendo
- Eu não posso dizer nada, foi por isso que veio fazer a punção.
Foi aí que eu soube, cá dentro. Nesse dia eu soube que o trazia comigo.
Eu podia dizer
foi quando me ligaram para antecipar a consulta e eu disse que não podia ser, que ainda aguardava o resultado, foi nesse momento que eu percebi que algo estava errado
Eu podia dizer isso mas seria mentira. Nesse momento eu tive apenas a confirmação. 
Podia dizer que 
foi ao telefone com o médico de voz calma, foi quando o obriguei a explicar-me porque motivo me ligavam a uma sexta-feira à tarde para antecipar uma consulta que só deveria acontecer em duas semanas. 
Podia dizer que
foi nesse momento que me deram a notícia
mas não foi. Nesse dia confirmaram-me que o tinha. 
Eu podia dizer
foi ali, parada no trânsito no meio da Avenida de Ceuta, sentada ao lado do meu filho com dois meses. Ele estava a preparar-se para acordar, esfomeado, e minutos mais tarde, depois de receber o telefonema com a confirmação de que o trazia em mim, amamentei-o numa rua estreita e de mau aspeto do Alvito, dentro do carro, com as lágrimas a caírem-me pela cara e os soluços a crescerem-me no peito. 
Eu podia dizer que 
o facto de ter sabido antes me trouxe algum conforto 
mas estaria a mentir. Eu ouvi as palavras da boca do médico e quis encolher-me sobre mim mesma. Eu tive medo. Durante vários dias eu tive medo. 
Sentada no consultório todas as minhas perguntas não foram enquanto doente mas enquanto mãe, uma mãe com muito medo. 
Eu podia dizer
Não derramei uma lágrima 
mas estaria a mentir. Eu derramei muitas lágrimas. Sozinha, enquanto o observava a começar a interagir, enquanto o segurava, enquanto o amamentava.
Podia dizer
Não tive medo nenhum
mas temi que os meus dias não chegassem para o ver crescer.
Podia também dizer que
a dada altura o congelei na minha mente e assim o conservei - frio, distante, isolado - até ao dia em que o removi.
Podia dizer que 
consegui que não se tornasse o centro dos meus dias e só nos dias antes de o remover, pela noitinha, deixei que o medo tomasse conta de mim e que as lágrimas me caíssem novamente pelo rosto.
Podia dizer que 
não custou nada
e isso seria uma quase verdade.
Posso dizer que
sei, com tanta certeza como soube que o tinha, que não o tenho mais.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

14 de fevereiro de 2018

Tenho sorte. Tenho muita sorte.
Leste-me com olhos de quem quer ver e fizeste com que me soubesse querida. Avançaste comigo a cada passo, planeando e executando, de pés bem assentes na terra. O casamento, a lua de mel, as obras. Todos os projetos partilhados.
Não me falhaste um único dia nos meses difíceis de espera e enquanto eu me focava no meu problema tu dizias - e sentias - que o problema não era meu mas nosso. Quando entrava na sala de espera - que é mais concorrida do que eu pensara - nunca o fazia sozinha e partilhámos os minutos, dias, semanas e meses de espera. Quando eu tinha medo que a minha antimulleriana baixa fosse baixa o suficiente para me limitar ficaste ao meu lado e acreditaste. Acreditaste por ti e, acreditaste também, por mim. 
Tirámos fotos equipados para o bloco, acreditando que aquele dia mudaria a nossa vida. Quando ouvimos
- Aqui vão os nossos heróis. Boa sorte!
(nunca hei de esquecer estas palavras)
os nossos corações bateram juntos e emocionámo-nos ambos. Não os víamos mas acreditávamos - ainda que em versões diferentes. Tu esperaste cheio de esperança - ou de fé - e a minha foi-se desvanecendo pelo caminho.
Quando entrámos no consultório a falar sobre a minha constipação já quase nos esqueceramos do que nos tinha levado até ali e, por isso, fomos surpreendidos com os
- Parabéns!
da médica sorridente que fará sempre parte do nosso percurso.
Não me falhaste num único dia de consulta ou ecografias.
No dia em que recebi o primeiro presente com o nome dele apanhámos o susto de uma vida e eu acreditei, mesmo, que o ia perder. Tu não mantiveste a calma - ou teria pensado que não eras uma pessoa de verdade - mas acreditaste, tranquilizaste-me e acompanhaste-me. Sempre.
Foste braço direito e esquerdo em simultâneo, não poupaste esforços, foste incansável. Mas foste, acima de tudo isso, sensível. Sensível ao meu cansaço, à minha preocupação, à minha necessidade de confirmação, ao meu isolamento forçado de 8 dias. E nunca, nunca me falhaste.
Tenho sorte, muita sorte. Nunca, nem nos dias mais difíceis, me deixaste sozinha. E ter-te foi sair-me a sorte grande. Temos muito que celebrar.