terça-feira, 31 de dezembro de 2013

- 2013 -

Alguns números em jeito de resumo das Palavras Soltas de 2013:

Em 2012 publiquei 18 textos no meu blog. Em 2013 publiquei 79.

Em 2013 escrevi pela primeira vez para o P3, 4 crónicas. Fica a nota, com um sorriso, de que foi mais difícil encontrar uma fotografia publicável do que ver a primeira crónica aprovada - e a fotografia é ainda assim muito má.
Em 2013 as minhas palavras atravessaram o oceano até ao Brasil, numa colaboração semanal com o blog A Vida em Posts

A 29 de março de 2013 o meu blog atingiu as 2000 visitas. Hoje, 9 meses depois, tem mais de 6000, de vários países onde nunca coloquei os pés.


Em 2013 as Palavras Soltas continuaram a completar-me. A vossa presença também. 

Em 2014 façam mais barulho por aqui, deixem mais palavras vossas, destaquem frases ou excertos dos textos. Façam-se ouvir.

Obrigada por todas as leituras atentas.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

29 de dezembro de 2013

Palavras.*
Às vezes acho que um dia terei de escolher. Escolher entre a vida e isto. Entre a vida e as palavras a caírem depressa das minhas pontas dos dedos.
Habituei-me a esconder-me aqui. A esconder-me ou a criar aqui a vida que queria ter. Habituei-me a viver amores em palavras, a vivenciar situações escritas. Habituei-me até a escrever palavras molhadas – de um molhado com sabor a sal. Por anos e anos, as palavras foram o que de melhor tive. Quando me fugiram fiquei sozinha a viver o dia a dia.
Quando eu precisei elas voltaram. Não quando precisei, um pouco mais tarde. Mas vieram, não me falharam. Alimentadas por palavras alheias que devorava em vários livros, elas foram-se formando novamente em mim. Palavra após palavra. Com elas construí mais – mais à frente, em maior quantidade, com maior intensidade. Construí e desconstruí mundos. Vivi paixões que de uma outra forma teriam passado. Mastiguei palavras de situações vividas, dando-lhes um novo ar, um novo fôlego. E a pairar sobre mim sempre o medo – o medo de que se fossem outra vez, que se fossem para sempre.
Quando a vida se endireita, quando entra em rotina, elas sempre me fogem. Sinto-as constrangidas pela realidade, por quem as rodeia. Sinto-as a encolherem-se no tempo que escasseia, a partilharem (de forma mal distribuída) a atenção. Não são elas, sou eu. Sinto-me a encolher sem elas. Porque percebo, hoje, que sem elas sou igual a todos os outros. Quebra-se-me a sensibilidade, o olhar atento. Quebra-se-me a disponibilidade para lhes dar tempo, para as sentir, para as deixar escorregar-me pelos dedos – que o processo antes automático agora precisa de tempo para ocorrer. Quebram-se-me as palavras a meio do caminho porque não as agarro logo – e elas agora são frágeis para se segurarem sozinhas.
Às vezes acho que um dia terei de escolher. Escolher entre a vida feliz e as palavras a escorregarem-me com facilidade das pontas dos dedos. Escolher entre a vida e as palavras – sabendo que sem elas me sinto sempre um pouco sozinha. Porque sem elas eu não sou mais a mesma – e gostava mais da outra que as tinha.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 30 de dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

28 de dezembro de 2013

Não imaginava que o ano acabaria assim. Quando o iniciei não fazia ideia.
Entrei apaixonada. Apaixonada e a escrever muito. Apaixonada pela vida, pelo trabalho, pela família, pelos amigos. Por ele. E pelas palavras, mais do que nunca.
Entrei com vontade de fazer diferente: ter menos medos - ou os mesmos mas pouco lhes ligar - mais coragem, mais ação. Mais palavras. Entrei com tudo - e não imaginava que o ano acabaria assim.
Levantei voo três vezes - literalmente falando, que de outra forma seriam muitas mais. Levantei voo e pousei com o coração a sair-me pela boca. Acreditei que alguns voos me mudariam a vida, me mudariam as relações e as crenças. Por alguns dos destinos quis efetivamente mudar a vida - arriscar tudo, mudar-me com tudo, deitar tudo a perder. Precisava de um empurrão que não veio. Depois quis mudar-me sozinha. Mudar-me com tudo e sem pedidos alheios. Quis fugir-me. Não fui. Nos dias menos bons talvez queira ir ainda, com uma mala muito grande em que me possa enfiar.
Continuei a vê-los crescer e a ajudá-los a fazê-lo. Continuei a zangar-me muito e a derreter-me um pouco mais. E continuei - continuo - a questionar por que o faço, até quando o farei - e o que virá depois.
No ano em que mais escrevi, atravessei o oceano com palavras, publiquei mais do que em qualquer outro ano e temi (temo) como nunca deixar de o conseguir fazer. Fi-lo sempre por entre incertezas, medos, deceções, ânsias - e receio que as palavras não encontrem um outro caminho. 
Percebo hoje que alguns processos nunca terão fim. Mas aprendi a proteger-me mais, a dar um bocadinho menos. Aprendi a proteger-me de mim - e às vezes é mesmo preciso fazê-lo. Aprendi a olhar menos para trás, a não mexer em gavetas antigas.
Rodeei-me mais dos meus - dos de sempre. Este foi o ano em que quase fui testemunha. Este foi o ano em que nasceram mais bebés. Este foi o ano em que mais pessoas deixaram o país. Este foi o ano em que todos continuámos a crescer - em número, em tamanho, em opções. Este foi o ano em que continuei a ter orgulho nos meus - um orgulho agora maior.
Tem piada. Saio quase como entrei. Depois de tantas voltas, saio quase como entrei. Foi por isso que me apaixonei por ti - por todas as surpresas em que me fazes tropeçar. 
E eu não imaginava que o ano acabaria assim. Quando o iniciei não fazia ideia.

23 de dezembro de 2013

Logo sei quem vem*
Há dias em que me sento no passeio, e me deixo ficar a observar-te de longe. E tu apareces sempre, um bocadinho mais tarde ou mais cedo, mas nunca falhas. Mãos nos bolsos. Olhar meio perdido. Um ar alheado que me faz encontrar-te no meio da multidão. Encostas-te ao muro e espreitas lá para baixo. E logo sei quem vem. O teu sorriso que se estampa no rosto mal ela sai das escadas, com o olhar poisado no chão, não deixa grande margem para dúvidas. E eu levanto um pouco o jornal, tentando não chamar as atenções. Cumprimentam-se com dois beijos bem repenicados (quase que os consigo ouvir daqui) e depois ficam parados. Mas tu moves-te, consigo ver-te a mexeres-te freneticamente. E ficam parados, a olhar para cima e para baixo. Depois sobem, ou descem. Mas a tua expressão é sempre a mesma. Sempre o mesmo sorriso que tens para ela, especificamente. Estás parado ao lado dela. Mas consigo ver-te a descolares-te de ti próprio, a roçares os lábios no pescoço dela, a cheirá-la, a apoderares-te rapidamente, suavemente. Mas estás parado, a olhar para ela, com um brilhozinho nos olhos.
Nos outros dias apareces calmo, como quem nada espera. Encostas-te de costas para o muro, e deixas que ela – a outra – suba as escadas, de olhar radiante. E depois o que acontece é mais ou menos o mesmo. Só não a queres devorar. Não todos os dias. Não sempre. Mas há dias. Há dias, e apenas alguns, em que queres senti-la, queres saber que ela é tua como sempre foi, queres cheirá-la, e beijá-la. Mas só de vez em quando. Só nos dias em que sentes que é disso que precisas. Só nos dias em que sentes que ela te pode dar tudo o que queres, sem nada pedires.
E depois espanto-me com a minha capacidade de análise. É tão fácil ver que andas confuso. Tão, mas tão, fácil. E há dias em que me olhas e aí eu não hesito: levanto os olhos para te olhar directamente, usando o mais frio dos meus olhares.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 23 de dezembro de 2013

16 de dezembro de 2013

Porquê(s)*
E, de repente, faz-se luz. Faz-se luz aí dentro quando menos esperas.
É aquela vontade súbita que vai crescendo, a vontade súbita de um cigarro, de inspirar com força o seu fumo.
Tens passado dias, meses até, a tentar juntar as peças do puzzle. Colocas aqui, retiras dali, olhas de perto e mais ao longe, mas as linhas, as cores de diferenças ténues, parecem esbater-se mais com o tempo e então as peças, que colocas aqui e retiras dali, continuam a passar-te pelas mãos num ciclo sem fim. Mas, de repente, fez-se luz.
E enquanto, com as mãos trémulas, procuras agarrar o isqueiro, com a respiração prestes a fugir ao teu controlo, há um
Porque não eu?
a explodir-te no peito, a sair-te pela boca, a elevar-se no ar. Deixaste-o sair sem querer. Permitiste-te senti-lo com vergonha quando tudo o que querias era partilhar a felicidade alheia. Mas o
Porque não eu?
que deixaste escapar foi sentido. Sentido agora e sentido antes. Sentido antes e agora retomado. Perguntas-te
- Porque não eu?
 e perguntas também
- Porque não comigo?
e depois, invariavelmente, deixas que o teu corpo escorregue em direção ao chão, com as costas a arrastarem-se pela parede e um braço a abraçar os joelhos já lá em baixo, enquanto que o outro, segurando o cigarro, procura segurar também as lágrimas antes que estas te molhem o rosto.
- Porque não comigo?
E zangas-te. Zangas-te a sério. Zangas-te com os outros mas zangas-te especialmente contigo. Tu que quiseste mudar a vida. Tu que, cheia de medo, colocaste (quase) tudo no prego.
E queres gritar-lhe. Queres gritar-lhe bem para que te oiça – assim, com os ouvidos e com todos os outros sentidos. Queres que perceba pela tua linguagem corporal, queres que lhe doa no peito o que antes – e agora – tanto te doeu a ti. De repente, isso é tudo o que queres. Magoá-lo um bocadinho, magoá-lo muito. Torcer-lhe o coração no peito ao ponto de quase o arrancares – como se assim o arrancasses da vida que agora tem e de que não fazes parte. Queres gritar-lhe:
Porque não comigo?
Mas tudo o que consegues dizer, ainda que baixinho, é que foi por ti. Foi por ti que não. Foi o teu medo e as constantes questões que gerou e que lhe colocaste – uma após a outra. Foi pela tua ansiedade. Foi pelo teu amor. Foi por todo o teu amor que ele não te amou. Tu, que deste tudo – e mais um bocadinho (grande). Foi por ti que ele não te pôde amar por inteiro.
E assim te cresce mais a dor no peito. E a vontade que antes tinhas não existe mais. Agora queres endireitar o coração no peito com cuidado, compondo-o e colocando-lhe até um lacinho. Queres dar festinhas ao coração alheio. Queres cuidá-lo tanto – mais uma vez. E assim o teu se torce mais um bocadinho sob o peso de mais uma falha que sempre entendes como tua. Quando a única questão que deverias colocar seria:
- Porquê tu?
ou
- Porquê contigo?
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 16 de dezembro de 2013

9 de dezembro de 2013

Zanga de menina*
O trabalho por fazer pesa-te nos ombros. Não o fazes mas também não o esqueces. Não o esqueces quando ao sábado de manhã te deixas ficar afundada em lençóis, com os teus pés a passearem-se devagarinho pelos pés alheios, ou quando trocas palavras com um brilhante sol de inverno a brilhar sobre o mar à tua frente ou ainda quando te vês rodeada pela família (ou amigos). Não o esqueces mas também não o fazes.
Por vezes sentas-te à secretária. Sentas-te mesmo com o objetivo de despachar trabalho. É desta, desta faço tudo. Mas o teu cérebro parece não querer colaborar e tu não o queres forçar. E então divagas. Procuras manter-te atualizada socialmente, vendo atualizações de estado, vendo rostos que há muito não vês de perto. Por vezes visitas álbuns inteiros, de foto em foto. E é aí que a nostalgia quase sempre te apanha.
É a nostalgia do que foi. A nostalgia do que continua a existir para além de ti. As amizades que o tempo, a vida, os acontecimentos – tudo junto ou nada disto, tu não sabes ainda dizer – te levou. E sentes uma angustia a crescer-te no peito.
Zangas-te por não teres antecipado perdas, por não teres tido precaução em situações que tu previas que te fossem estragar relações, afastando-te de pessoas que sempre estiveram perto. Zangas-te com o trabalho – todo o trabalho – que te afasta do que é importante, com todas as vezes em que disseste
- Não posso, tenho de trabalhar
mesmo sabendo que depois darias por ti a nada fazer, a procrastinar no sofá, na cama, no computador – em todo o lado – para não teres de o fazer.
Zangas-te por teres crescido, por estares a crescer, por seres responsável – e por teres, indubitavelmente, de o ser. Zangas-te com a vida de pessoa crescida que te roubou tempo para os amigos, para os livros, para os moleskines, para as tardes na relva da Gulbenkian, para os pés na areia quente, para a brisa fria do rio aos teus pés.
Zangas-te, e zangas-te mais um bocadinho, por nem isto poderes fazer. Não há tempo. E há um peso maior a acumular-se nos teus ombros por todo o trabalho que se continua a acumular.
(E é por isso que agora fecho o moleskine e o atiro para o lado com força: para trabalhar).
                                                   *Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 9 de dezembro de 2013

domingo, 8 de dezembro de 2013

2 de dezembro de 2013

Tu Conheces o Sabor*
E ela escorre pelo ralo. Não é a água, são pedaços dela que se vão à medida que a água escorre. Percorrendo-lhe cada pedacinho da pele, tocando os cantinhos escondidos de um corpo mirrado, descendo silenciosamente em direção ao fundo. Água quente que se deixa escorrer deliciosamente de cima para baixo, hesitando em casa curva, em cada elevação intermitente do seu peito. Como que treme, hesitante, e por fim desliza, em frente, ou desviando-se ligeiramente, à procura de um caminho mais fácil. E depois desce profundamente, entrando por buraquinhos com saídas profundas, escorregando em direção a um profundo desconhecido. E afunda-se. Afundam-se as duas. Como que entrelaçadas, como que juntas num pacto de sobrevivência, como que tecidos não resistentes à água. E as gotas passam, escorregam de um cabelo molhado, percorrem-lhe silenciosa e deliciosamente as costas. Devagarinho. Como devagarinho deve ser. Como num jogo de prazer e dor. Como dois dedos de uma mão conhecida que se deixam ir devagarinho num sobe e desce desligado. Suavemente. Ao de leve. Brincando. Desenhando círculos, espirais e palavras que se esquecem de ler. Como uma língua. Sabes. Devagarinho. Húmida. Deliciosamente áspera. Que vagueia à deriva. Como uns lábios esquecidos de encontro a uma pele molhada. A água. Vai descendo. Devagarinho. Em direção ao chão. Como a roupa escorrega pelos nossos corpos. Como cai o vestido à noite. Como escorregam as calças. Como saem peças de roupa inúteis. Como as despimos sem precisarmos delas. A água vai descendo devagarinho em direção ao chão. Devagarinho. Ao chão. Ao fundo. Pedaços dela. A sua pele molhada. As gotas que descem devagarinho pelas costas. O cheiro que tu conheces. A água. A espuma. Umas gotas percorrendo um delicioso caminho até ao fundo. Ao chão. O ralo. A água que escorre. A pele molhada. O cheiro. A língua. Uns lábios.
Inspira…
Os lábios.
expira…inspira…
A língua.
expira…inspira…
Os dedos.
expira…inspira…
hum…expira…
Tu conheces o sabor. O cheiro. A textura. A pele.
Inspira…
…expira.
Ainda te lembras?
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 2 de dezembro de 2013

25 de novembro de 2013

Reminiscência(s)*
Não fiques aí parado. O tempo não vai parar apenas porque tu paraste. Os ponteiros do relógio continuarão a passar pelos minutos, pelas horas, pelos dias. O seu tic-tac, tic-tac sempre a lembrar-te de que os sons que ouves, todos eles, não soam aos sapatos dela a baterem friamente nas pedras da calçada. Não mais. E à medida que os minutos e as horas – quase dias, quase meses – passam, as pétalas vão-se acumulando aos teus pés, caindo uma após a outra – como que dias. Os teus olhos, fixos no chão, nas pétalas, na queda, não procuram os rostos de quem passa. Se o fizessem, saberiam que os olhos que te fitam são muitas vezes os mesmos: os de quem, passando, quase para, quase quer parar e passar-te uma mão pelo ombro, dar-te um aconchego. Primeiro confiante, depois menos. O braço – o braço e o buquê de flores – vão descendendo à medida que o sonho se vai desfazendo. Aos teus pés a certeza de que se desfaz, um pedaço após o outro. Mais tarde hás de recuperar – ainda que parcialmente. Fá-lo-ás apenas quando o som dos seus passos ecoar, aproximando-se e depois afastando-se sem parar. Erguerás então em teu redor autênticas muralhas e as flores, essas, não mais sairão da loja. Existirão outras mulheres. Mulheres para te massajarem o ego, te aquecerem a cama e te aliviarem a tensão. Mulheres que não deixarás entrar na tua vida, pelas quais não esperarás em lado algum mas que, pelo contrário, quererás fazer esperar. O telefone, que antes não deixavas em parte alguma, em momento algum, passará a ser deixado ao abandono, tocando e tocando vezes sem conta. E depois, num qualquer dia de sol, quando te sentires tão bem que as pétalas parecerão até estar a voltar ao seu devido lugar, cruzar-te-ás com algo que te irá lembrar – como se algum dia tivesses chegado a esquecer. E aí todas as mulheres – as que te massajam o ego, te aquecem a cama e te aliviam a tensão – se tornarão insuficientes. O que tu querias era que ela, meses, dias, horas, minutos atrás tivesse ficado para te aliviar a tensão, te aquecer a cama e te massajar o ego. E disso não sei se irás recuperar.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 25 de novembro de 2013