segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

29 de dezembro de 2013

Palavras.*
Às vezes acho que um dia terei de escolher. Escolher entre a vida e isto. Entre a vida e as palavras a caírem depressa das minhas pontas dos dedos.
Habituei-me a esconder-me aqui. A esconder-me ou a criar aqui a vida que queria ter. Habituei-me a viver amores em palavras, a vivenciar situações escritas. Habituei-me até a escrever palavras molhadas – de um molhado com sabor a sal. Por anos e anos, as palavras foram o que de melhor tive. Quando me fugiram fiquei sozinha a viver o dia a dia.
Quando eu precisei elas voltaram. Não quando precisei, um pouco mais tarde. Mas vieram, não me falharam. Alimentadas por palavras alheias que devorava em vários livros, elas foram-se formando novamente em mim. Palavra após palavra. Com elas construí mais – mais à frente, em maior quantidade, com maior intensidade. Construí e desconstruí mundos. Vivi paixões que de uma outra forma teriam passado. Mastiguei palavras de situações vividas, dando-lhes um novo ar, um novo fôlego. E a pairar sobre mim sempre o medo – o medo de que se fossem outra vez, que se fossem para sempre.
Quando a vida se endireita, quando entra em rotina, elas sempre me fogem. Sinto-as constrangidas pela realidade, por quem as rodeia. Sinto-as a encolherem-se no tempo que escasseia, a partilharem (de forma mal distribuída) a atenção. Não são elas, sou eu. Sinto-me a encolher sem elas. Porque percebo, hoje, que sem elas sou igual a todos os outros. Quebra-se-me a sensibilidade, o olhar atento. Quebra-se-me a disponibilidade para lhes dar tempo, para as sentir, para as deixar escorregar-me pelos dedos – que o processo antes automático agora precisa de tempo para ocorrer. Quebram-se-me as palavras a meio do caminho porque não as agarro logo – e elas agora são frágeis para se segurarem sozinhas.
Às vezes acho que um dia terei de escolher. Escolher entre a vida feliz e as palavras a escorregarem-me com facilidade das pontas dos dedos. Escolher entre a vida e as palavras – sabendo que sem elas me sinto sempre um pouco sozinha. Porque sem elas eu não sou mais a mesma – e gostava mais da outra que as tinha.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 30 de dezembro de 2013

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