quarta-feira, 28 de novembro de 2012

28 de novembro de 2012

Sento-me contigo na esplanada, colocando em cima da mesa a embalagem dos pastéis, acendo um cigarro e ao expirar o fumo, depois de expirar o fumo, pergunto-te tranquilamente:
- A que te sabe a vida?
Franzes o sobrolho, soltas um meio sorriso, puxas de um cigarro (ainda por acender) e dizes:
- Café Mocca Branco, com extra chocolate branco no interior, não na cobertura. É a isso que me sabe a vida.
Pego no teu copo, seguro-o com ambas as mãos, rodando-o entre elas, aquecendo-as com ele, e levo-o à boca, fechando os olhos para o saborear.
- É a isso que me sabe a vida nos dias bons - dizes, apontando - nos outros, nos dias em que não dou o sorriso certo na hora do pedido, a dose extra de chocolate não é colocada da melhor forma e nesses dias o sabor não é tão doce. E há dias em que a vida tem esse sabor também.
 Sorrio. Esboço um sorriso de compreensão.
- E as pessoas? As pessoas também te sabem a isso?
- Às vezes. Às vezes as pessoas também me sabem a Café Mocca Branco com dose extra de chocolate branco. Mas é só às vezes. Noutras o primeiro golo engana.
- Como assim?
- Então, ao primeiro golo parecem-te doces mas, depois, ao segundo e terceiro esse sabor vai-se dissipando e o que fica não chega para valer a pena. Às vezes tudo o que conseguem é puxar-te cá para fora, cheia de expetativas, mas depois levam-te a concluir que, de vez em quando, todos precisamos de uma massagem ao ego. Às vezes eu sou a massagista, e tu também, aliás, somos todos. Massajamos egos alheios à espera da retribuição que não chega e é exatamente nessa altura, quando a massagem não chega até ti, que as pessoas já não te sabem a Café Mocca Branco com dose extra de chocolate branco mas apenas a café, sem açúcar. Aliás, em alturas como essas até a vida leva um pouco menos de chocolate branco.
Do outro lado da mesa ergo o meu copo e brindo a isso:
- À vida com doses extras de chocolate branco.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

26 de novembro de 2012

Rebenta a bolha.
Eu sei que só agora se formara, que era recente, mas, ainda assim...rebenta a bolha.
Já viste como te estavas a elevar rapidamente dentro dela? Onde irias parar? "Em lado nenhum", ouço-te dizer, e sorrio. Como é fácil para ti acreditar nisso?! Já viste o quão irreal é? Pois olha, eu digo-te, e digo-te sem receios da reação, digo-te para te proteger, digo-te ao mesmo tempo que a meus olhos a minha mão direita te toca ao de leve no cabelo - assim, como se faz com as crianças - sem que tu vejas o seu movimento, sem que tu o sintas. Ias parar bem lá a cima, bem acima de todos os outros e depois, depois de estares lá em cima, haveria uma brisa mais forte, quase vento, que rebentaria a bolha e tu catrapum cá para baixo - para aquele sítio normal em que vivem as pessoas que não sonham de mais. E por isso, para que o rebentar da bolha não provoque estragos demasiadamente grandes, para te proteger, rebenta a bolha. Rebento-te a bolha. Rebentei-a já.

domingo, 25 de novembro de 2012

25 de novembro de 2012


Sento-me à chinês, daquela forma contorcida que é já minha, e abro a mala. Há um cheiro que invade o quarto e me envolve. Breves minutos em que me cheira a ti – porque este era um cheiro tão teu. Fecho os olhos e inalo com vontade, para te sentir mais perto, para te fazer presente.
Sete anos desde a última vez. Sete anos em que andei perdida, sete anos em que me procurava a mim própria ao mesmo tempo que insistia em procurar-te no exterior. Caramba, sete anos é 1/3 da minha vida, 1/3 da minha vida em que não te voltei a tocar, em que não voltei a dizer o teu nome, em que, gradualmente, me fui esquecendo da tua voz, do seu sorriso, do teu cheiro. Batalhei contra o esquecimento e ao batalhar contra ele batalhei contra deixar ir a dor. Acreditei, inocentemente, que para te manter aqui teria de viver todos os dias as dores de não te ter. Ao viver essas dores, virei-me tão para dentro, tão para o interior, que me desliguei do mundo, me desliguei de mim e perdi o sorriso feliz de outrora.
Hoje eu sei que te trarei sempre comigo. Não te recordo todos os dias, não sinto a tua falta todos os dias, mas sei que cá dentro, bem no interior de mim há um santuário que é nosso, um santuário que limpo de tempos a tempos, que nunca se fechará para sempre. Mantenho-te vivo aqui e manter-te-ei vivo em cada um dos meus dias, em cada um dos meus passos, em cada um dos desafios a que me proponho – e aos quais gostaria que assistisses. Mantenho-te vivo em sorrisos e não em lágrimas, mantenho-te vivo sem que tenha de lutar contra o esquecimento.
Vivo por mim mas vivo também um pouco por ti. Vivo como tu, vivo mostrando orgulho pelos que me rodeiam, vivo perdendo o medo dos abraços, dos aconchegos, das palavras que muitas vezes se calam com medo das emoções. Vivo por mim mas vivo contigo. 
Retiro as fotografias uma a uma, soltando gargalhadas e lágrimas, soltando risos há muito perdidos, recuperando-te a cada uma das imagens. Chego-me mais ao espelho, segurando na mão direita uma fotografia tua. Procuro sinais que salientem os laços. Há coisas, sim. Há pessoas que mo dizem às vezes e me fazem feliz. Mas sei que os sinais maiores estão cá dentro, estão na forma como falo, como me relaciono, até como escrevo. Trago-te comigo, de forma feliz, em cada um dos meus dias, por cada um dos dias. Vivo feliz.

sábado, 10 de novembro de 2012

10 de novembro de 2012

Há verdades que se revelam quando a vida está desfeita, partida em cacos. Um dia, no meio do desespero que nos impede de a consertar, descobrimos que a cola, ou o que pensamos ser a cola, sempre esteve à nossa frente, ou melhor, mais do que à frente, sempre esteve ao nosso lado.
Depois a vida mostra-nos que a cola está em nós, que é disso que precisamos para consertar a vida desfeita, aproveitando apenas os cacos mais valiosos. E é então que consertada a vida, olhamos para trás, olhamos para a frente e percebemos que a verdade se mantem.
Há as verdades que se revelam quando toda a vida está feita em cacos e há as que se mantêm quando toda a vida está impecavelmente arrumada. E essas são as que valem realmente a pena.