sábado, 28 de dezembro de 2013

23 de dezembro de 2013

Logo sei quem vem*
Há dias em que me sento no passeio, e me deixo ficar a observar-te de longe. E tu apareces sempre, um bocadinho mais tarde ou mais cedo, mas nunca falhas. Mãos nos bolsos. Olhar meio perdido. Um ar alheado que me faz encontrar-te no meio da multidão. Encostas-te ao muro e espreitas lá para baixo. E logo sei quem vem. O teu sorriso que se estampa no rosto mal ela sai das escadas, com o olhar poisado no chão, não deixa grande margem para dúvidas. E eu levanto um pouco o jornal, tentando não chamar as atenções. Cumprimentam-se com dois beijos bem repenicados (quase que os consigo ouvir daqui) e depois ficam parados. Mas tu moves-te, consigo ver-te a mexeres-te freneticamente. E ficam parados, a olhar para cima e para baixo. Depois sobem, ou descem. Mas a tua expressão é sempre a mesma. Sempre o mesmo sorriso que tens para ela, especificamente. Estás parado ao lado dela. Mas consigo ver-te a descolares-te de ti próprio, a roçares os lábios no pescoço dela, a cheirá-la, a apoderares-te rapidamente, suavemente. Mas estás parado, a olhar para ela, com um brilhozinho nos olhos.
Nos outros dias apareces calmo, como quem nada espera. Encostas-te de costas para o muro, e deixas que ela – a outra – suba as escadas, de olhar radiante. E depois o que acontece é mais ou menos o mesmo. Só não a queres devorar. Não todos os dias. Não sempre. Mas há dias. Há dias, e apenas alguns, em que queres senti-la, queres saber que ela é tua como sempre foi, queres cheirá-la, e beijá-la. Mas só de vez em quando. Só nos dias em que sentes que é disso que precisas. Só nos dias em que sentes que ela te pode dar tudo o que queres, sem nada pedires.
E depois espanto-me com a minha capacidade de análise. É tão fácil ver que andas confuso. Tão, mas tão, fácil. E há dias em que me olhas e aí eu não hesito: levanto os olhos para te olhar directamente, usando o mais frio dos meus olhares.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 23 de dezembro de 2013

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