terça-feira, 11 de março de 2014

7 de março de 2014

Aos (quase) fantasmas do passado*
Quero dizer-te que a notícia me deixou imensamente triste. Primeiro em choque, surpreendida.  Depois apenas triste.
Não é uma notícia que se espere receber. Ali, no meu local de trabalho, entre pares. Não consegui segurar a minha mão antes que esta me cobrisse a boca na tentativa (vã) de conter o espanto. Tão pouco consegui segurar as minhas pernas na mesma posição e por isso me vi escorregar em direção ao chão com a parede a guiar-me o caminho. Não sei já se as lágrimas me escorregaram pelo rosto ao mesmo tempo que o meu corpo desceu pela parede ou se só depois. Sei, apenas, que a notícia me apanhou de surpresa – pelo menos naquela altura. E que enquanto acendia um cigarro a chama tremia na extensão das minhas mãos.
Conversa puxa conversa, vi-me a revisitar o passado. Ao descrever comportamentos do passado vi os fantasmas a aproximarem-se a passos largos de mim. Revisitei espaços de que me despedi faz tempo. Assisti, sentada num canto em silêncio, a monólogos travados noite(s) dentro. Revivi o desespero que me crescia no peito e me bloqueava as ações. E então todos os pequenos passos que fiz nesta corrida para longe do passado pareceram parcialmente anulados à medida que os fantasmas vaguearam ligeiros por aqui.
As palavras foram-se seguindo umas às outras – sem pedir licença, sem atender ao presente e ao quão distante este é do passado. Talvez eu lhe quisesse gritar que se mantivesse longe, que aqui não há lugar a fantasmas do passado. Talvez eu devesse ter afirmado o meu direito de não ter a vida invadida por (mais) fantasmas do passado. Podia tê-lo feito. Tê-lo-ia feito se o passado me tivesse batido à porta em vez de se ter limitado a entrar sem pedir licença. Ter-lhe-ia chamado egoísta e recordado conversas em que afirmei a distância que me separa do que foi – e do que não mais voltará a ser. Teria anulado toda a minha sensibilidade – aquela que antes me diziam ter em excesso – para colocar os fantasmas no seu devido lugar: um sítio escuro. E distante.
Mas depois, quando me voltei a erguer – embora ainda apoiada à parede – as peças foram-se compondo. Assim, uma sobre a outra, encostando-se numa sequência lógica. E então a surpresa foi substituída. Substituída por algo diferente. Como que apenas uma constatação de algo que afinal talvez se esperasse – parcialmente. Talvez esta constatação ajude a encaixar peças do passado, a arrumá-las no sítio certo. Talvez explique a queda de algumas que pareciam empurradas por uma qualquer corrente de ar. Ainda assim, há constatações que não se desejam fazer na vida. Espera-se apenas que estejamos certos nas escolhas que fazemos, nas escolhas que os outros fazem. Não se espera – ou (eu) não espero – ver outros falhar. Entristecem-me também as falhas alheias. Mas acontecendo, e previsto em parte, há por vezes o impulso de dizer
- Eu bem avisei.
Palavras que não me chegam a sair porque a razão não mais me faz falta. Porque preferia não a ter. Não nisto.
A razão traz-me questões de responsabilidade. Questão após questão. As noites tornam-se maiores, os sonos mais agitados. Um mau estar em forma de ponto de interrogação a navegar-me no pensamento, a questionar-me
- E se?
Ou
- Devia?
Mas fecho os olhos com força. Inspiro profundamente. Inspiro o presente, reavivo os sorrisos e os planos, reaqueço o coração. Estou em paz. Estou em paz com quase tudo o que a vida me foi trazendo – e com grande parte do que me levou. Talvez não o diga vezes suficientes e por isso faço agora questão de repetir: estou em paz com tudo o que foi. Digo também: estou imensamente feliz com o que é. Espero que também tu, em breve, o consigas.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 10 de março de 2014 

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