sábado, 28 de setembro de 2013

28 de setembro de 2013

Um dia acordas com a certeza de que já não fazes parte. Acordas com a certeza só possível pelo acumular dos dias em que te questionaste se ainda pertencias.
Abres os olhos, olhas o teto acima de ti, abres muito a boca como se te faltasse o ar, puxas mais para cima o edredão e apertas com força o peito à medida que as lágrimas te escorregam, não devagarinho, depressa, pelo rosto.
Durante anos e anos tu fizeste parte. Tu fizeste parte da melhor forma possível. Fizeste parte da única forma realmente completa. Fizeste parte sem as cobranças, sem as expectativas. Sem os medos. Fizeste parte sem data marcada, sem horas inconvenientes. 
Partilhaste a cumplicidade dos olhares cheios de significado, dos sorrisos contidos mas perfeitamente detetatos pelo olhar conhecedor de quem te observava. Enfrentaste a reprovação com que as tuas falas bruscas eram recebidas, mas enfrentaste-a sempre com a confiança de te saberes compreendida.
Mas o tempo passa. O tempo passa por ti todos os dias. Passa por ti e pelos teus. E à medida que o tempo passa, leva consigo pedaços que julgavas pertencerem-te. Pedaços a que julgavas pertencer - para sempre. Leva-os para sítios onde deixas de os ver. Ou leva-os para sítios a que tu sabes não pertencer. Não importa se a dada altura tu te quiseste desfazer da vida que levas para a reencontrares lá, mais ao longe, mais completa. Importa que não o fizeste, por saberes, já, que não pertencias. Não pertences.
Mas o tempo passa. O tempo continua a passar. E em cada um dos dias em que não estás presente sentes-te a ficar cada vez mais distante. E a certeza de que não fazes parte vai-se adensando, tornando-se mais clara - e mais pesada também. Pesa em cada uma das decisões que tens de tomar - até naquelas que não se podem bem classificar como tal. Sentes o peso quando te vês a hesitar, quando te vês a questionar se é apropriado dizer isto ou aquilo quando antes, antes da passagem do tempo, as palavras te saíam da boca antes ainda de pensares que as querias dizer. E quando preparas surpresas - porque, caramba, tu adoras surpreender! - questionas-te se será demais, se será mal interpretado. Porque, afinal, tu sabes que já não pertences e talvez tudo o que antes fazias tenha também deixado de pertencer.
Os silêncios lembram-te que o tempo passou por ti e pelos teus. O espaço vazio recorda-te que pertences apenas a ti própria - e que não há pedaços que te pertençam para sempre.

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