sexta-feira, 4 de outubro de 2013

2 de outubro de 2013

Histórias de (des)encantar*

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O Amor
Era uma vez um menino chamado Francisco e uma menina chamada Josefina. Eles estavam apaixonados e eles não queriam dizer porque pensavam que o outro não gostava dela então a Josefina enviou uma carta ao Francisco mas o Francisco não via o correio, eram os pais dele e eles deitaram fora a carta e depois o Francisco foi deitar uma coisa ao lixo e viu a carta e depois eles casaram.

Talvez alguém te devesse dizer que o amor nem sempre flui assim tão bem.

De cada vez que abro os vossos cadernos e me deparo com textos assim há algo que se me aperta no peito. As vossas histórias de príncipes e princesas - e a forma como crêem nelas - lembram-me a menina que fui, a menina que acreditava.
Todas nós crescemos rodeadas de histórias assim: A Bela Adormecida, A Cinderela, A Branca de neve e outras, tantas outras, em que a donzela em apuros acaba salva por um príncipe cheio de encantos. Ele é o cavalheiro que a toma em seus braços e que com um simples beijo a resgata de uma qualquer situação difícil, seguindo-se o tão conhecido "e viveram felizes para sempre". Resultado: crescemos e vivemos à espera do príncipe, como se a vida não chegasse sequer a ser vida sem esse outro elemento.
Há sobre estas histórias muito a dizer e nem sei por onde começar. No essencial gostaria apenas de vos proteger da deceção que sempre surge aquando do confronto com a realidade.
Talvez não vos devêssemos alimentar a histórias de encantar. Não se vocês vão crescer à espera de serem protagonistas de uma tão bela assim, não se vocês vão crescer a ver em cada rapaz um príncipe - e a descobrirem, uma vez após a outra, que essa é uma espécie tão rara que poderão nunca a encontrar.
Depois, a fórmula "príncipe salva princesa" terá tantas vezes de ser invertida que é importante, muito importante, que não fiquem presas à primeira. De outra forma, correrão o risco de ver o príncipe a ser arrastado para as trevas ou a ser salvo por uma princesa mais perspicaz. Transmitam também àqueles com que se cruzarem de que não dependem de príncipe algum para que a vossa vida valha a pena - mas não o digam apenas: vivam em conformidade.
Sobre o final tantas vezes repetido do "viveram felizes para sempre", lembrem-se por favor de que a história só termina após a resolução do problema. Não sendo a vida uma narrativa de um evento só, é importante ter presente que esta só chegará ao fim quando se esgotarem todas as páginas em que é escrita. A um problema resolvido seguir-se-á sempre outro, na sua escala tão própria. O importante a reter aqui é que, ultrapassado um problema, poderão realmente ser felizes: até que um outro se atravesse no caminho para colocar à prova essa tão especial união. Se a história será de encantar isso ninguém saberá dizer. Se será para durar, quer queiramos quer não, também não o poderemos afirmar. Que seja antes enquanto valer a pena. Só e apenas: enquanto os sorrisos forem em número suficiente para que valha a pena.

Ao ler o teu texto gostava de me sentar contigo e de te alertar para a impossibilidade de muito do que escreveste. Queria dizer-te que os receios iniciais que referes tinham 50% de probabilidade de serem justificados - mas a verdade é que existia também a possibilidade de que o amor fosse correspondido e só uma menina destemida como a Josefina arriscaria. Talvez por isso tenha sido tão bem sucedida: só assim se explica que uma carta tenha resistido à sujidade do caixote do lixo, acabando por conduzir ao casamento dos dois.
Talvez sejas tu quem, afinal, tem uma lição a transmitir.
* Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 3 de outubro de 2013

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