terça-feira, 15 de outubro de 2013

14 de outubro de 2013

Crescer. Um dia. Eu vou.*

Um dia vou crescer. Eu sei que tu me olharás sempre com os mesmos olhos e que verás em mim sempre esta menina. Mas quero dizer-te, quero prevenir-te para o facto de que, um dia, eu vou crescer e esta menina que ainda pede colo o vai deixar de pedir.
Passarão anos em que revirarei os olhos em todas as tuas conversas, em que verás mais vezes as minhas costas do que o meu rosto, em que a minha voz não será ouvida – ou será, mas alto de mais.
Quero dizer-te que o tempo para me dares mimo é agora – porque depois será tarde de mais. Agora é a altura de me passares a mão pelo cabelo, a altura de me chegares mais a ti. É agora que deves dizer o quanto te orgulhas de mim – dizer alto e bom som, dizer muitas vezes – porque depois será já demasiado tarde. Se tiveres oportunidade escreve. Escreve para que fique o registo, para que, se a minha memória me falhar enquanto cresço, exista a prova a recordar-me que em tempos te orgulhaste de mim. Hoje não me parece importante. Há sempre sorrisos em mim e ainda penso pouco se me apoias ou não, mas ao observar os que me rodeiam algo me leva a pensar que um dia a certeza de me saber apoiada poderá fazer a diferença.
Estou a alertar-te também para o facto de que vou fugir ao contacto físico. Quando quiseres caminhar lado a lado comigo e pousares-me a mão no ombro, lembra-te de que te alertei. Eu vou fugir, sacudir os ombros até que a tua mão caia. E, quase que aposto, quando crescer vou lamentar esses momentos. Mas acredito também que para crescer vou ter de sair de debaixo da tua asa, sair o suficiente para que as minhas cresçam.
Deixa-me dizer-te ainda que existirão sempre em mim caraterísticas desta menina. Mas quero pedir-te, também, que não chames a atenção sobre elas, que não as refiras. Aceito que as observes, que te sentes num qualquer canto a observares-me as maneiras e a forma, mas que o faças em silêncio e com um rosto inexpressivo. Conto contigo para me veres crescer. Conto contigo também para me veres ser sempre um pouco menina. Conto contigo para me dizeres, ainda que em silêncio, que os meus erros não foram suficientes para defraudar as expectativas.
Sim, um dia eu vou crescer. Vou crescer em altura, em largura, em profundidade. Mas os meus olhos continuarão sempre a ver o mundo com curiosidade, a absorve-lo, a ouvi-lo atentamente. E a minha boca continuará a estar perto do coração. E as minhas lágrimas, essas, continuarão sempre fáceis – porque estou triste, porque estou feliz. É que a vida, as pessoas, continuarão a tocar-me.
Lembra-te, eu vou crescer. Um dia. Talvez ainda não hoje. Talvez não amanhã. Um dia. Pouco a pouco. Um bocadinho de cada vez.
* Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 14 de outubro de 2013

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