terça-feira, 29 de outubro de 2013

25 de outubro de 2013

Paz.*

Estou em paz contigo.
Demorei a chegar aqui mas agora que aqui estou percebo o quanto me sabe bem.
Estou em paz contigo e com o que foi. Em paz com os sorrisos que não consegui ter, com os copos que não bebi, com os livros que não li. Em paz até com as lágrimas que devia ter chorado e não chorei. Estou em paz com as noites em branco de conversas sem fim - aquelas a que não raras vezes perdi o rumo pouco tempo após o seu início. Perdoei-te já por todas as vezes em que me tiraste da cama comigo já longe, já distante, para me arrastares para perto e me fazeres ouvir-te. Quero dizer-te que tentei. Tentei mesmo. Tentei ouvir-te com todos os meus ouvidos - mas, ainda assim, tudo o que se ouvia cá dentro eram queixumes de
- estou tão cansada
ou
- não sei que mais lhe posso dizer
ou
- já não sei do que falamos agora
ou ainda um
 - não aguento mais isto
que nunca fui capaz de te dizer em voz alta - mas que, hoje percebo, me corria pelas veias há já muito tempo.
Eu não aguentava. Por isso o meu corpo se desligou para ti - primeiro um dia, depois outro, uma semana e, podendo, mais até. Por isso o meu corpo se desligava demasiado cedo. Ele queria fechar-me dentro de si, queria isolar-me num sítio seguro. Queria proteger-me das agressões externas da vida que corria. E disso não te culpo a ti.
Não te culpo, não mais. Estávamos danificados, cada um à sua maneira. E danificámo-nos mais, danificámo-nos muito.
Estou em paz contigo agora que percebo isso. Espero que, um dia, a paz te chegue para que me entendas também.
Estou em paz contigo. Às vezes não estou ainda é em paz comigo e com a inércia que me dominou.
* Texto publicado no blog A Vida em Posts, a 28 de outubro de 2013.

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