domingo, 6 de outubro de 2013

5 de outubro de 2013

Tinha um gato preto de olho em mim.
Todo este tempo, tinha um gato preto de olho em mim. E eu olhava-o com receio, não deixando nunca que o meu olhar se cruzasse com o seu.  
Vivia com medo. "Gato preto é azar", sempre se disse. Eu ia para aqui, ia para acolá, e o gato preto sempre comigo, olhando-me seriamente do topo do seu corpo esguio.
Não sorria - porque o gato estava a ver. Não bebia: o gato estava a ver. O meu corpo movia-se mas sempre (sempre) contraído. Não queria afugentar o gato. Se gato preto só por si é azar, o que seria um gato preto afugentado? Quem sabe se não se tentaria vingar?
Olhava o gato e não percebia o que queria de mim - logo de mim, que nem gosto (muito) de gatos.
À força de o ter sempre comigo - foram dias, tantos que se transformaram em anos - fui ganhando confiança. "Gato preto é azar" mas azares não os houve. Houve a vida, ela própria, e dela nunca ninguém disse só maravilhas. E o gato preto, de olho em mim, não parecia querer agir. Então o medo foi dando lugar à confiança, e à medida que os dias e os anos passavam, a sua presença foi sendo menos notada. Um dia olhei-o nos olhos. Olhei-o nos olhos e estiquei-lhe a mão. E então o gato preto (que "é azar") veio andando, roçando-se ao de leve nas minhas pernas esticadas, cabeceando-me a mão que eu pousara já no colo.
Tinha um gato preto de olho em mim todo este tempo que procurava só um pouco de atenção.

* Texto escrito para o "Escreva um post sobre", desafio semanal do blog A Vida em Posts

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