quinta-feira, 31 de outubro de 2013

31 de outubro de 2013

Estás sentado à secretária há já várias horas. Contrariamente ao que acontece noutras alturas do dia, os teus olhos observam repetidamente o canto inferior direito do monitor onde os minutos, esses, se vão arrastando, um após o outro.
Já perdeste a conta às palavras. Um dia após o outro. Uma após a outra. São palavras que vão e que vêm, que te agitam, que a aproximam. E, no entanto, são palavras apenas. Não importa a atenção que dedicam a cada uma delas, nem mesmo a intenção com que cada uma é escrita. A verdade é que, com o passar dos dias, cada uma se vai revelando mais pequenina, de menor sentido, incapaz de reproduzir a real amplitude do que há a dizer.
Sentado à secretária, os teus olhos acabam por pousar no telefone ao teu lado. Sabes que se marcares os nove dígitos do seu número haverá apenas um "Privado" a fazer-se anunciar do outro lado. E, se fechares os olhos, talvez consigas mesmo imaginá-la a observar o ecrã e a questionar-se silenciosamente. Talvez ela não perceba - pelo menos não logo. Talvez o seu indicador direito hesite entre o atender e o ignorar.
A tua mão pousa sobre o auscultador, o teu indicador pressiona cada um dos nove algarismos e a tua respiração, essa, dispara. Queres pousar o telefone. Não queres pousar o telefone. Não sabes se queres ou não pousar o telefone. E enquanto as tuas ideias oscilam, enquanto procuras perceber o que queres ou não, a sua voz ouve-se do outro lado. Há um
- Estou
que não sabes dizer se soa a interrogação ou a exclamação. Talvez haja ali alguma exasperação. Há talvez a frieza que ela anunciara já. E há um silêncio de ambos os lados. O teu silêncio de quem não sabe o que está a fazer, nem o que esperava com isto. E há o silêncio dela do outro lado, breves segundos apenas durante os quais se encosta à ombreira da porta e as ideias lhe passam depressa. E quando a sua boca se abre para o segundo
- Estou
talvez ela já tenha percebido. Talvez tenha esperado até ouvir algo desse lado. Um silêncio que fosse em que pudesse respirar um pouco, em que o seu 
- Estou
pudesse soar a
- Estou (aqui)
e não apenas a um
- Estou.
Mas o que ela ouviu foi a chamada a desligar-se. Nem a chamada a ser desligada, apenas o pós chamada desligada, quando o sinal de chamada perdida se fez ouvir.
Ela soube. Soube (quase) desde o primeiro segundo silencioso. Soube até que depois de pousares o auscultador a tua mão não o conseguiu largar logo - como se assim te pudesses manter em contacto. Ela quis dizer-te que soube. Mas pensou depois que não seria necessário.

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