quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

6 de fevereiro de 2014

Como se não te chegasse o dia de trabalho. As crianças, os pais das crianças, os problemas com o servidor,  as reuniões que se prolongam. Como se não te chegasse o cansaço das noites pouco dormidas, o peso da responsabilidade.
Sais tarde e a precisar de uma sesta, a precisar de um bocadinho para ti no sofá. Mas é já tarde demais. Enfias-te no carro e abres a porta alheia com a chave há muito confiada - como se faz sempre com os que são nossos. Deixas-te ficar a observá-lo enquanto, com os olhos muito abertos,  vê os desenhos animados do final de tarde. Fazem escavações arqueológicas em busca do T-Rex, travam batalhas do jogo do galo, molham-se com a água do banho que lhe devias dar. Quando se sentam todos à volta da mesa não consegues evitar reagir a uma provocação e quando dás por ti a tua voz está já a elevar-se demasiado alto, num tom demasiado agressivo, erguendo defesas que entre vocês não seriam necessárias. Incrédula, ouves o convite para sair. E sais. Sais mesmo. Com bater de portas, juras internas de não mais voltar e algo a molhar-te a cara, algo a enublar-te a vista. Sentas-te ao volante e a única coisa em que consegues pensar é no cigarro que precisas de fumar - nisso e na certeza de que não irás voltar. Amaldiçoas o dia em que, sem saber porquê, decidiste deixar de fumar - ou "reduzir,  apenas reduzir". Abres e fechas a boca como se inalasses e exalasses o fumo. Pegas no telefone à procura de um aconchego mas há algo em ti a querer empurrá-lo para longe. Longe. Mais ainda quando a preocupação se mistura com uma atividade contrastante e comentada - repetidamente comentada.
Procuras resolver um problema mas há outro a crescer-te no peito. Um problema com cabeça,  tronco e membros que sentes invadir-te a vida,  destruindo o sítio tranquilo e seguro a que julgavas ter chegado.
Pões a tocar aquela música - aquela, banda sonora de tantos momentos - e procuras deitar pela ponta dos dedos toda a ansiedade. Sentes o corpo - e o coração - a contrair-se sobre si mesmo, a fechar-se para o exterior, mantendo tudo o resto para além dele. Cerras os lábios com força, como ainda há poucos dias sentiras necessidade de fazer, e abres muito os olhos para que as tuas pestanas não empurrem as gotinhas pequeninas que se empoleiram no cantio dos teus olhos. E queres ferir. Atacar para ferir - não matar, magoar apenas um bocadinho. Sentes a respiração a alterar-se pelo esforço do que procuras não dizer, pelas acusações sentidas que tentas guardar em ti. E questionas-te, baixinho, até quando te manterás nas graças.
E agora que te encontras tão imensamente desapontada - agora que sabes ter perdido qualquer pinga de racionalidade - queres pedir mais tempo para ti, fechar novamente as janelas e as portas que antes abriras de par em par, eliminar de ti qualquer quentinho no peito,  apagar o registo de planos e os desejos que ias já tomando como teus. Queres dizer o que tantas outras vezes quiseste dizer- Não me assustesOu- Não faças com que te queira fugir.
Porque talvez agora o queiras um bocadinho.

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