sábado, 10 de outubro de 2015

10 de outubro de 2015

Lembro-me de ti com frequência. A semana passada abri o frigorífico para tirar alface e lembrei-me de ti. Sorri, como faço quase sempre nas vezes em que te recordo. Lembro-me de ti em situações como esta. E não sei porquê. Nunca comemos alface juntos. Cozemos massa e fizemos um sumo.
Lembro-me de ti quando falo da Gulbenkian ou quando a visito, quando me sento na relva e recordo as muitas horas ali passadas. Lembro-me dos queques gigantes da Avenida de Berna. Lembro-me do teu jeito muito próprio de andar, do facto de (quase) nunca chegares a horas e da forma como isso não me incomodava nem um bocadinho. Lembro-me de ti quando o oiço falar com os seus
- hum 
Lembro-me do dia da minha peça de teatro, da forma como depois me arrastaste para o teu colo e me disseste que tinhas muito orgulho em mim. Lembro-me das borboletas na barriga.
Lembro-me de ti quando penso nas noites de Bairro Alto, quando nos vejo rua fora de mão dada. Lembro-me de ti e sorrio. Lembro-me de ti de roupão e de fumarmos assim à porta do prédio, de descansar umas horas e de sairmos de fininho para não acordarmos a tua irmã, apressando-me para apanhar o primeiro autocarro da manhã. Era contra as regras trazer alguém para dormir. 
Lembro-me de que me apoiaste. Muito. Lembro-me de falar contigo sobre ela e sobre todas as coisas disparatadas que fazia e de a expulsares das nossas conversas por quereres expulsá-la da minha vida. Lembro-me de que um dia, um dia já bem perto do fim, pouco antes de o perder, confessei às escuras ter muito medo. Lembro-me de tapar a cabeça com o edredão, como se assim não o ouvisses, como se assim não fosse verdade, como se assim eu não tivesse por que ter medo. Como se eu não estivesse a ser fraca. Lembro-me de ti virado para a parede, de observar as fotografias espalhadas por toda a parte e não me encontrar em nenhuma. Lembro-me - ou secalhar não me lembro, secalhar penso agora - que eu nunca estive em parte alguma.
Lembro-me de ti e sorrio. Lembro-me de que gostava muito de ti, meu amigo.
Lembro-me de que um dia entraste no hospital ao meu lado, que caminhaste comigo de mão dada pelo corredor que às vezes ainda percorro - em que me lembro dele e me lembro de ti.
E lembro-me de que no dia, naquele dia, te liguei noite dentro e o teu telemóvel estava desligado. Que o perdeste no festival. Lembro-me de que te queria dizer e não sabia como, de falar com a tua mãe ao telefone e de não lhe querer dizer. E lembro-me de que depois, quando estivemos juntos, falei de tudo menos daquilo e que foi preciso tapar-me com um casaco para conseguir falar. Nesse dia, no metro, quando eu estava quase a sair, em pé, encostados à porta, chegaste-te mais perto e disseste
- gosto muito de ti.
Lembro-me dos nossos teatros de rua. Dos textos no blog que escrevia para ti, sobre ti, a pensar em ti.
Depois eu entrei para a faculdade. Comecei a namorar com ele e praticamente deixei de te ver. E assim, sem eu perceber bem como, nem porquê, saíste da minha vida. Anualmente, no dia do teu aniversário, envio-te uma mensagem que diz "Parabéns, Manel. Beijinhos. Maria". 
Lembro-me de ti.

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