Parte I - leitura prévia
Parte II
Agora que pisaste os dois tapetes, agora que te deixaste
ficar, descalça, de olhos fechados, em cima de ambos, percebes que nenhum é
totalmente suave.
É verdade que conheces bem a textura (áspera) de um e que,
ao início, a suavidade do outro te assustava, como se ao colocares um pé
tivesses sempre receio de onde estarias a colocar o próximo. Depois, quando,
ainda que a medo, te deixaste ficar, circulando devagarinho, avançando,
deixando que os teus pés, a ponta dos teus pés, descrevessem pequenos círculos
no chão, sentiste-te segura, sentiste-te confortável.
Não é totalmente suave. Talvez tenha sido isso a deixar-te
confortável. É macio, sim, muito mais macio do que o outro, mas não totalmente.
Quando os teus pés o tocam mais ao de leve, quando se deixam arrastar à
superfície, há pedaços pequenos que te arranham, que te recordam sensações
anteriores, que levam de volta ao passado e te recordam que tu serás sempre tu.
Não há fuga possível. Não podes fugir para fora de ti mesma. Não podes levar a
mão ao peito ou, mais acima, ao órgão acima de ti e substituí-los e é isso que
faz de ti o que és.
Mas agora, agora que pisaste o tapete novo, agora que te
deixaste ficar, descalça, de olhos fechados, em cima dele, percebes que te
podias deixar ficar. Podias dobrar os joelhos, baixar todo o corpo em direção
ao chão, podias senti-lo na tua pele. Agora que pisaste o tapete novo podias
deixar-te ficar, podias deixar que a tua pele ficasse em contacto com ele em
toda a sua extensão, podias deitar-te aqui e deixares-te ficar envolvida por
ele, podias deixar-te ficar aqui com um só órgão a bater-te pelo corpo, com o
órgão no teu peito a comandar-te as ações, com um total silêncio no topo de ti.
Os teus pés dariam passos pouco seguros de cada vez que tivesses de te
levantar, mas avançariam, e à medida que os passos se fossem acumulando
tornar-se-iam mais seguros e tu poderias avançar em segurança, poderias avançar
respeitando a nova cadência que te bate no peito.
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