Sentada na mesa ao meu lado, de olhos fechados e com o rosto iluminado pelo sol, ela parece conter a respiração.
Pousou há pouco tempo o caderno preto de linhas finas e a lapiseira amarela sobre as pernas cruzadas à chinês e, quando o fez, fê-lo com um expirar exagerado, um sinal de missão cumprida. Depois abriu a mala brilhante - aquela, que condiz com os sapatos - puxou devagarinho o fio dos phones, ligou-o ao telemóvel, colocou-os com cuidado nos ouvidos, cruzou as pernas daquela forma contorcida e fechou os olhos.
Olhando-a assim, com as palmas das mãos voltadas para o sol, pergunto-me se medita ou se, de olhos fechados, contará devagarinho até 10 - ou outro, maior - procurando acalmar-se ou ganhar coragem para qualquer outro (talvez grande) feito.
Há algo na forma como se esconde aqui, dia após dia, ocupando sozinha uma mesa com várias cadeiras, escapando-se aos olhares diretos, que me faz observá-la com uma atenção redobrada. Procuro pequenos detalhes que denunciem do que é feita, o (por)que tanto escreve naquele caderno, com aquela lapiseira, porque se esconde em si mesma. Que voltas terá dado à vida - ou se terão sido as partidas que esta lhe pregou - a fazê-la assim.
À medida que o sol vai descendo sobre a cidade, completando a sua travessia de um lado ao outro, deixo-me ficar aqui, agitando suavemente o copo de pé alto que seguro na mão direita e espero, como de tantas outras vezes, que volte a pegar no seu caderno e que, depois de o olhar atentamente, arranque pela raiz as páginas escrevinhadas, amarrotando-as e colocando-as em cima da mesa. Mas talvez hoje, como das últimas vezes, as páginas se mantenham intactas, como se tudo o que escreve sejam certezas convictas de que não se quer desfazer.
E depois, depois de tanto a observar, sou eu que cedo, levantando-me e deixando-a, também eu, sozinha naquela mesa em que sempre se senta.
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