segunda-feira, 5 de maio de 2014

5 de maio de 2014

esse medo (não) passa*
Parece que esse medo não vai passar nunca. Medo da(s) dor(es). Medo da morte. Medo da perda. Medo dos espaços vazios, dos corações vazios, dos tempos vazios. Medo dos corredores brancos, das paredes brancas de hospital, com cheiro de hospital.
À medida que o tempo passa, que as dores se afastam, que a morte se distancia – a morte que foi – assumem-se as dores como lembranças dos tempos que foram e não voltam mais. É como se as pessoas, as que foram e não mais voltaram -não mais voltarão – tivessem levado consigo as dores que parecia terem deixado em nós.
Deixamos de temer a própria sombra, deixamos de pensar numa qualquer desgraça que possa acontecer, que possa separar-nos dos nossos. E, no entanto, de repente, somos atirados de volta ao passado: os corredores brancos, as paredes brancas, o cheiro a hospital. Só nós não somos mais os mesmos. Estamos mais crescidos – mais crescidos e menos fortes. Os fantasmas do passado a correrem atrás da sombra. Os fantasmas do passado quase a apanharem-nos. Os fantasmas do passado a pisarem-nos os pés. E isso dói.
Doem-nos as dores de hoje juntamente com as de antes. Então aperta-se mais a mão pousada na cadeira ao nosso lado. Abraça-se o braço esticado na nossa direção como se isso nos pudesse salvar de um qualquer destino.
Parece que esse medo não vai passar nunca. O medo de passar por aqui uma vez mais. O medo de perder novamente – aquele género de perdas de que nunca se recupera. O medo de que haja uma qualquer partida do destino a atravessar-se no caminho agora que tudo segue bem, que tudo segue tranquilo. Uma vontade a crescer-me no peito. Uma vontade de gritar que agora não, que agora já chega, que não há direito de me abanar os alicerces novamente – não agora que estou segura aqui.
E eu achava que o medo já havia passado. Mas talvez, afinal, ele não passe nunca.
*Texto publicado no blog A Vida em Posts, no Brasil, a 5 de maio de 2014

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