quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

25 de dezembro de 2012

Há dias que ela se senta na mesa do lado sem olhar em redor. Segura a lapiseira amarela na mão direita e escreve com ela no caderno de capa preta de linhas finas pousado nas pernas cruzadas à chinês - apenas. Das poucas vezes em que levanta o olhar para a cidade ao fundo, mordendo a lapiseira amarela, rodando-a pelos lábios entreabertos, consigo ver um brilho no seu olhar - mas um brilho frio. Há alguma coisa de diferente na sua atitude, na forma como se comporta. Não amachuca folhas, não fecha os olhos inspirando fundo para fazer presente o futuro, não olha a cadeira vazia a seu lado. Alguma coisa mudou na forma como se arruma na cadeira, na forma como se enquadra naquele espaço, naquelas pessoas. 
Não pega no telemóvel, não atende chamadas, não procura contactos. Fecha-se ao mundo, fecha-se para ti. Sim, parece-me que se fechou para ti. As crianças passam, a cadeira está vazia, e ela ainda levanta o olhar para as observar ao mesmo tempo que a covinha, tão dela, surge no seu rosto. Mas ela não morde o lábio inferior e não olha a cadeira vazia ao seu lado. Sim, ela deixou de olhar para o espaço vazio em que antes gostaria de te sentar. 
Não sei o que se passou. Na verdade, e apesar de ainda ter amachucado uma folha e de a ter deixado ficar em cima da mesa, eu não tive coragem para ir até lá e pegar na folha de linhas amachucada. Tive medo. Eu criei expectativas! Como espetadora, eu criei expectativas. Eu vi o brilho quente com que observava a cadeira vazia ao seu lado e a forma como fechava os olhos e inspirava com força para que o futuro se tornasse presente. Eu vi-a acreditar! E hoje tive receio, receio de ser confrontada com a mudança, com o porquê da mudança. Ela acreditou - via-se em cada um dos seus gestos - mas a forma como se comportou hoje mostrou-me que não acredita mais e houve algo nos seus olhos, algo semelhante a desapontamento - consigo própria - que me mostrou que esta não fora a primeira vez em que acreditara mas que, fechada ao mundo, ela esperava que fosse a última. Eu própria, sentada na mesa ao lado, desejei com força que esta fosse a última.

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