sábado, 8 de dezembro de 2012

8 de dezembro de 2012

Apoio as mãos nos braços da cadeira, ajeitando-me, e puxo os joelhos ao peito, abraçando-os. Puxo mais para mim a manta polar que sempre me entregam à chegada , envolvo-me melhor. Gozo as últimas horas do sol de inverno sobre a cidade, sinto-o em mim.
Ela está sentada na mesa do lado. Mais uma vez. A cadeira ao seu lado está vazia e há dias, em alguns especialmente, em que ela a olha com ar de quem gostaria que estivesse ocupada. Segura nas mãos um livro - um , vários, um por semana - e nas suas mãos, para além do livro, vai estando uma chávena que segura com as duas mãos, como se para as aquecer, enquanto o livro descansa nas suas pernas cruzadas à chinês. Para além do livro e da chávena, vão passando também alguns cigarros. Para além do livro, da chávena e dos cigarros, há sempre o telemóvel que passa de uma mão para a outra e por onde passam dedos rápidos. E, para além do livro, da chávena, dos cigarros e do telemóvel, um caderno preto, de linhas finas, e na mão direita uma lapiseira amarela.
Ela gostava que estivesses aqui e isso vê-se bem. Na verdade (mais uma verdade) ela gostava que pudessem partilhar mais dias, que pudessem vir aqui, sentarem-se aqui neste jardim com vista sobre a cidade e falar sobre os dias, sobre os dias que passaram na última década e meia e sobre os dias que estão para vir.
Frequentemente, quando a lapiseira amarela escreve rapidamente no caderno preto, ela inspira com vontade, de olhos fechados, e consigo vê-la a querer inspirar o futuro, talvez numa tentativa de o tornar presente.
Há um brilho especial nos seus olhos quando vê crianças. Talvez seja dos meus olhos sensíveis ao sol e da lágrima que por isso produzem em excesso, mas eu acho que às vezes a vejo a morder o lábio inferior nesses momentos e a inspirar com mais vontade - ao mesmo tempo que deita um olhar de fugida à cadeira vazia ao seu lado. Talvez esse seja o seu projeto mais ambicioso: ver-te sentado nessa cadeira e ter convosco uma produção conjunta. Não sei, a verdade é que grande parte são deduções. Muito do que escreve com a sua lapiseira amarela é arrancado ao conjunto e deixado, amachucado, em cima da mesa e eu confesso que por vezes, várias vezes, quase sempre, quando a vejo pousar os pés no chão e caminhar em direção ao portão sinto que os meus pés querem saltar da cadeira e caminhar até à mesa do lado para matar a curiosidade e entrar no seu mundo, tão ali à mão.
A cadeira nem sempre está vazia. De vez em quando, de quando em vez, alguém se senta na cadeira. Ela fica ali, ao lado da cadeira ocupada, mas não morde o lábio inferior ao ver crianças, como se não acreditasse num projeto conjunto dessa magnitude. Talvez ela acredite, em alguns dias, que a conjugação perfeita está feita, definida, e que mesmo que isso signifique sentar-se ao lado de uma cadeira vazia, esse é o melhor que o futuro e o passado têm para lhe dar. Talvez o que vocês têm seja o melhor que alguém pode ter, com os minutos infinitos de sorrisos e dores partilhadas, talvez não seja possível ultrapassar a estabilidade do que têm. Mas tudo o que te digo é antecedido de um «talvez» que é dito da mesa do lado, que é dito por quem está de fora e a observa no silêncio das tardes, por alguém que nunca te viu ocupar a cadeira vazia.
Volto a amachucar a folha, apertando-a com as duas mãos, fazendo com que se embrulhe sobre si mesma pelos mesmos vincos, pelas mesmas linhas e pouso-a no colo. Olho a mesa vazia ao meu lado. Já não é só uma cadeira vazia, são duas. Observo a folha amachucada e algumas linhas finas ali colocadas pela sua lapiseira amarela. Inspiro, inspiro com vontade, inspiro com a vontade de alguém que quer inspirar o futuro e torná-lo presente.





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