Fecho a porta, encosto-me a ela ainda com o coração a querer saltar-me do peito, passo a mão pela cara e pouso-a atrás da cabeça entre esta e a porta.
Eu podia habituar-me a isto. Podia mesmo.
Ouço o elevador ainda em movimento, transportando-a de regresso à rua e depois ao carro e depois aos km's que nos separam. Este sorriso idiota que ela me trouxe não se quer desfazer, agarrou-se a mim cheio de vontade.
E eu podia habituar-me a ele. Podia mesmo.
Silêncio. Ouço a porta da rua a bater. Desencosto-me, recomponho-me, circulo descalço pela casa vazia. Entro na cozinha, encho um copo com água e ao olhar o lava louças respiro fundo. Os copos do sumo de laranja. Sorrio.
Era só um jantar. Depois o tempo arrastou-se, colámo-nos às cadeiras e depois, com o passar das horas e das milhares de palavras, colámo-nos um ao outro. Trouxe-a comigo. Ou ela é que me trouxe, não sei bem. Fiz os km's a espreitar pelo retrovisor com medo de a perder pelo caminho, o coração a querer saltar-me do peito, a respiração acelerada. Trouxe-a até cá - talvez só por trazer, só por hoje, só por esta noite. Entrou por aqui adentro (já não sei se pela casa se por mim) com um sorriso tímido, uma hesitação, uma ansiedade bem latente no olhar - e nas mãos, escondidas nas mangas da camisola.
Circulo descalço pela casa, ainda com o copo com água na mão direita e encosto-me à ombreita da porta da sala. Olho o sofá, a carpete da sala, as almofadas espalhadas, o teto. Coço a cabeça.
Avanço para o quarto e sento-me na beira da cama. Pouso o copo no chão.
Que menino que eu sou.
Tenho vontade de me deitar aqui a olhar o teto. Tenho vontade mas não o faço.
És um homem, recompõe-te.
Olho as almofadas vazias. Hesito. Puxo a almofada sem dono para mim, afundo o nariz e inspiro com vontade. Sorrio. Sorrio porque está lá - ou sorrio de mim próprio.
Caramba, podia habituar-me a isto.
Não preciso de me esforçar para sentir as suas pernas enroscadas nas minhas, para me recordar do seu cabelo encostado a mim, enrolado nos meus dedos, do seu sorriso de miúda afinal mulher, afinal cheia de atitude. Sorrio. Julguei-a mal.
Acordei numa cama vazia. A luz a entrar-me pelo quarto adentro. Fechei os olhos, revi a noite, procurei a sua saída mas não a encontrei. Levantei-me, ainda de olhos meio fechados. Pisei as calças antes de pisar o chão.
Ela está aqui.
Estava. Sentada no sofá com os joelhos dobrados e os braços a abraçá-los, os pés descalços e o olhar lá longe, lá ao fundo, na linha do horizonte sobre o mar. Silêncio. Deixei-me ficar a observá-la da entrada, com um sorriso a fugir-me, uma curiosidade maior pelo que teria ela por detrás daquele olhar. Avancei em silêncio, abracei-a a ela, aos seus joelhos e aos seus braços e inspirei junto ao seu pescoço. Enrosquei-me.
Eu podia habituar-me a isso. Eu queria poder habituar-me a isso.
Revejo os minutos e quero-os de volta. Quero-a de volta. Arrancar-lhe sorrisos, gargalhadas até. Fazer dela uma miúda mimada. Bombardeá-la com elogios até que os aceite. Surpreendê-la no decorrer dos seus dias. Enchê-la de vontade de voltar. Trazê-la de volta e deixá-la ficar (não sei se na casa se em mim).
Eu podia habituar-me a tudo isso.
Passo a mão pela cabeça e sorrio, abanando-a. Levanto-me. A vida continua. Até à próxima.
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