Sentamo-nos à beira rio, no exato sítio em que o passeio termina e se inicia a descida até à água. Observo as gaivotas que nos sobrevoam e inspiro com vontade. Há pessoas a passar, pessoas que param nas nossas costas para fotografar os descobridores portugueses, para levarem no regresso um pedaço do que é nosso. Sorrio com vontade. Inspiro cheia de vontade. Abro os braços ao sol e depois abraço os meus joelhos.
Ouço-te perguntar
Ouço-te perguntar
- É só isto que queres para a tua vida?
Utilizas aquele tom que me faz duvidar da seriedade da questão, com um meio sorriso, um ar de quem quer saber mais.
Utilizas aquele tom que me faz duvidar da seriedade da questão, com um meio sorriso, um ar de quem quer saber mais.
Olho-te nos olhos, procurando um sinal, um restício de algo que me diga o objetivo da pergunta. Pode haver uma crítica, um julgamento prévio sobre o que tenho e sobre o que faço. Baixo o olhar, puxo mais as mangas do casaco preto de malha para que me cubram as mãos e olho o rio lá em baixo, para além dos ténis pretos de sola branca que trago do passado. Há barcos à vela a passar. Perto de uma dezena, com miúdos em formação.
O que é que tenho na minha vida? O que faço com o que tenho?
O que é que tenho na minha vida? O que faço com o que tenho?
- Não, não é só isto que quero para a minha vida. - respondo - Quero para a minha vida tudo o que tenho hoje e tudo o que procuro para o amanhã - digo, gesticulando.
- O que tenho hoje - continuo - chega-me por hoje porque sei que fiz por o merecer. Cheguei aqui com os meus passos. Quis a vida toda num dia, quis que a vida fosse só o que tinha. Isso chegou-me?
- O que tenho hoje - continuo - chega-me por hoje porque sei que fiz por o merecer. Cheguei aqui com os meus passos. Quis a vida toda num dia, quis que a vida fosse só o que tinha. Isso chegou-me?
- Não sei - dizes - diz-me tu.
- Não, não me chegou. Tapou-me os olhos e toldou-me os movimentos e os sonhos, mas não me chegou. O que tenho hoje eu já conheço e saboreio-o com gosto. Tenho liberdade para quase tudo e sinto-me completa na maior parte dos momentos do dia. Sou eu que escolho o que tenho, o que vivo - digo, cheia de convicção.
- Nunca és tu que escolhes tudo - dizes, rindo, com um gesto de desprezo perante a minha verdade.
- Não, não sou. Mas sou eu que escolho como vivo com o que me é dado e é aí que reside a minha liberdade. - afirmo - Sou eu que todos os dias e a cada momento decido lidar com tudo com vontade de aceitar de bom grado mas sem me contentar, sou eu que enfrento cada dia com vontade de o fazer melhor, de o fazer valer a pena.
- Como assim?
- No final de cada dia tenho de ter um balanço positivo. Se assim for então sei que o aproveitei, que fui capaz de o valorizar, de o fazer valer a pena.
- Sim... - dizes, mostrando que estás a acompanhar o meu raciocínio.
- Então é isso: se o dia de hoje valer a pena sei que o que fiz com ele me chegou por hoje. Não pela vida toda, mas por hoje.
- E pela vida? - questionas.
- Pela vida tenho de ter um somatório de dias bons, de dias em que soube dar a volta, valorizar e valorizar-me. E encho a vida de pessoas boas, de sítios bons, ao mesmo tempo que eu própria me encho deles. Isso é o que quero para a vida. Se o conseguir hoje e amanhã então sei que estou mais perto do que quero para a minha vida.
Não respondes. Olhas o rio mais ao fundo, no sítio onde se une ao mar e sorris. Olhas-me nos olhos e abanas ligeiramente a cabeça, dando-me um sinal de que estás assimilar o que te digo, as minhas verdades, e de que desejas profundamente que eu tenha razão porque isso significa que tu também estás mais perto de conseguir o que queres para a tua vida.
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